Às vezes, é surpreendente descobrir que a música pop pode ser tão devastadora.
O quinto álbum da Mitski Miyawaki foi capaz de aprofundar o som e expandir os temas explorados no “Puberty 2” (2016). Em entrevista à revista Out, ela explicou que a inspiração para o “Be the Cowboy”, partiu da “imagem de alguém sozinho em um palco, cantando com um único holofote treinado sobre ele em uma sala escura”. A falta de camadas nos vocais contribuiu para transmitir a absoluta solidão da cantora na maioria parte do repertório. As letras realmente explicitam a solidão, ou alguma forma de ansiedade que não está sendo aceita. “Be the Cowboy” manipula uma variedade maior de sons e humores do que o “Puberty 2” (2016), e isso pode ser inicialmente chocante. No entanto, ele recompensa a escuta apresentando uma coesão surpreendente. É extremamente curto – possui quatorze faixas – mas apenas 32 minutos de duração. Essa característica torna “Be the Cowboy” ainda mais convidativo e intimidador. Assim como fez durante toda sua carreira, Mitski usou diferentes pincéis na construção deste projeto. Ela passou os últimos quatro anos construindo sua fama no cenário indie-pop. O sucesso dos primeiros discos fez da Mitski um nome familiar. Mas apesar do sucesso, ela passou a se sentir cada vez mais exaurida e isolada.
Essas emoções, combinadas com a ideia de um único intérprete sozinho em um palco – tentando imitar a arrogância de um cowboy – levou à criação do belíssimo “Be the Cowboy”. Dito isto, o repertório explora diferentes caminhos do gênero pop. Em um momento, ela está tocando uma faixa folk acusticamente dirigida e, em seguida, está interpretando uma sedosa música disco. E ela consegue misturar diferentes sons de uma forma bastante intrincada. Mitski usou este projeto como uma investigação para questionar sua própria autoridade e autoconfiança como artista e indivíduo. “Be the Cowboy” é conceitualmente embotado com sua crescente prevalência como mulher em uma indústria dominada por homens – disfarçado por temas de identidade e anseio por expressões românticas. Os pontos de conexão entre as letras, às vezes confessionais, e o som emocionalmente expressivo, podem ser mais bem entendidos através dos fãs da cantora. Pode ser simples sugerir que os sentimentos de insegurança e solidão que ela exibe sejam características de qualquer jovem. No entanto, ainda mais profundo, são os temas e questões comuns de identidade que parecem persistir dentro de sua discografia – que luta para expressar e aceitar quem ela é na sociedade.
Mitski expressa abertamente muitas de nossas frustrações: o que nossas identidades raciais e culturais significam – como os outros nos vêem por causa de nossas aparências, como somos tratados nos relacionamentos e o senso geral de ansiedade e insegurança que vem ao tentar provar nosso valor. Ela está obviamente falando com esse público marginalizado, mas de uma forma mais comovente e expressiva. O repertório abre com “Geyser”, que começa com vocais etéreos antes de mergulhar em um coro sinfônico. Uma introdução ao seu desejo pessoal e uma erupção sonora com cordas e sintetizadores dramáticos. Além de ser assombrosa, esta faixa possui um grande impacto emocional, mesmo considerando o curto tempo de execução. E apesar de ser curta, você não sente que está perdendo alguma coisa, uma vez que ela está repleta de conteúdo. “Geyser” também apresenta o desespero e a melancolia encontrados em muitas das letras da Mitski – um sentimento familiar para quem já ouviu seus dois álbuns anteriores. Em vez de desmoronar na distinção entre o verso e o refrão, a arquitetura da música se constrói de uma forma natural. A batida que surge da placidez borbulhante do órgão sinistro, apresenta um cenário com sintetizadores e se instala com os fortes vocais – antes da energia ser complementada pelo piano, guitarra, violino e bateria.
Assim como o título sugere, a música explode em emoções e instrumentações pouco controladas, tudo em menos de 2 minutos e meio. Sua voz produz uma paisagem sonora espaçosa e é pontuada por uma posterior explosão. É surpreendente ouvi-la ser tão direta quando o assunto é o amor. Com letras como essas, Mitski insere um pouco de ceticismo em sua narrativa e reconhece o perigo de perder o controle. Mais uma vez, sua dedicação e talento resultaram em um single tremendamente afetuoso. Na segunda faixa, “Why Didn’t You Stop Me?”, ela demonstra o quão talentosa é, ao fazer a gestão de diferentes elementos de uma música. Ela usa a bateria eletrônica para manter a faixa unida, enquanto se concentra em trazer sintetizadores pulsantes, guitarras distorcidas e buzinas no momento certo. Outras canções soam inteiramente desconstruídas, como se tivessem sido gravadas com uma banda completa e os instrumentos fossem gradualmente removidos um por um – este efeito ocorre literalmente em “Blue Light”. Mais tarde, em vez de deixar a bateria fazendo o trabalho, ela assume total controle em “Old Friend”. Há guitarra e piano, mas os holofotes permanecem sobre seu suave desempenho vocal.
“A Pearl”, “Washing Machine Heart” e “Remember My Name” injetam um tom mais aguçado graças às guitarras elétricas, com a última sendo o rock mais direto do repertório. Apesar da sensação de banda completa, as letras exploram os sentimentos de solidão mais profundos, e não dão descanso para o tom solitário do álbum. “Lonesome Love” prefere seguir por uma tendência country, a fim de contar a história de uma pessoa que, indo contra seu bom senso, ainda quer algo que era ruim para ela. O piano atrevido de “Me and My Husband” lembra os anos 80 e é surpreendentemente matizado em seu curto tempo de execução. Mitski canta sobre ser geralmente infeliz consigo mesma e com a vida, mas parece relativamente otimista quando retorna ao fato de que ela e seu marido estão juntos, não importa o que aconteça. É uma música pop cativante, mas também uma perspectiva relativamente rara sobre o que é estar em um relacionamento. Quando o refrão exige uma mudança de tom, Mitski consegue controlar sua performance vocal com grande facilidade. “Come Into the Water” também é tingida de country, ao passo que é tão esparsa quanto o título sugere. A perfeita “Nobody” possui influências de dance e disco, e fornece provas tangíveis de que ela pode prosperar em outros estilos.
Os fortes chimbais da abertura que, inteligentemente transitam por uma gravação lo-fi, remetem aos dias do álbum “Bury Me at Makeout Creek” (2014). Mas embora seja sarcástica, a persona que Mitski interpreta possui um charme inocente. Uma gama mais ampla de tons e texturas permite que suas composições tomem diferentes formas. “Nobody” é uma peça sedutora sobre a solidão sufocante e a morte da civilização. Ela possui potencial de uma música pop perfeita, graças aos ganchos infecciosos, a justaposição dos instrumentos e as letras cercadas de insegurança. Uma montanha-russa de emoções e mudanças que culmina em uma ode à solidão. Os chimbais, o dedilhado de guitarra, o piano melancólico e sua voz encantadora preparam a música, ao passo que o refrão acerta o ritmo em cheio. A abordagem funky, polida e despojada faz “Nobody” ser ainda mais grandiosa e magnífica. A segunda metade da música exerce mudanças importantes, mas nunca se sente como se estivesse ostentando. Você pensaria que uma canção composta por alguém repetindo a palavra “nobody” estaria fadada ao fracasso, mas Mitski consegue transformá-la em algo cativante sem ser exagerado. Ninguém está imune à solidão – algo pelo qual todos nós podemos passar. Portanto, a tristeza e o desespero que são visíveis nessa música podem fazer qualquer um se relacionar.
“Eu não quero sua piedade / Eu só quero alguém perto de mim”, ela admite aqui. As empolgantes batidas de disco e a linda melodia do refrão produzem uma sensação vulnerável, encontrando um meio-termo entre Carly Rae Jepsen e Gloria Gaynor. “Nobody” é tão eletrizante que, mesmos as pessoas que não gostam da Mitski, podem se conectar com ela. É uma canção onde a personagem está deprimida e não quer namorar, mas prefere estar perto das pessoas para não se sentir sozinha. A sua proeza musical também é brilhante em “Pink in the Night”. Sua sutileza consegue fazer toda a diferença. Nós somos alimentados com outra música pop que percorre o caminho lentamente sob o zumbido de um órgão. Pouco a pouco, ela começa a trazer outros instrumentos para o centro do palco, como alguns dedilhados de guitarra e uma batida de bumbo. E no fim, tudo nos leva para um refrão catártico. O restante do álbum se desvanece a partir deste pico – o piano e os vocais expostos em “A Horse Named Cold Air” nos dão a impressão de que o público já se foi, deixando a cantora completamente sozinha. Depois desse breve interlúdio, nos deparamos com a alegre e propulsora “Washing Machine Heart”. O tom é definido por um sintetizador que imita uma sensação de desconforto e emoção tumultuosa.
“Baby, embora eu tenha fechado meus olhos, eu sei quem você finge que eu sou”, ela exclama. Mitski apresenta um relacionamento através de expressões explícitas que transmitem uma sensação clara de confusão para o ouvinte. A jornada sonora do álbum termina com um desaquecimento em “Two Slow Dancers”. De certa forma, é uma música lenta o suficiente para funcionar como uma peça de encerramento, mas que também trabalha para amarrar as emoções exploradas nos últimos 30 minutos. É uma música simples na superfície, mas muito econômica na elaboração de suas imagens. Embora a personagem principal se reúna com um velho conhecido, não é suficiente para consertar o dano causado pelo tempo. É uma faixa calma e íntima realizada com a vulnerabilidade dos seus vocais. “Be the Cowboy” revela o verdadeiro poder da Mitski como compositora, ilustrando perfeitamente sua capacidade de lidar com assuntos pesados de uma maneira fascinante de se ouvir. Sua musicalidade, combinada com a produção de Patrick Hyland, mergulhou no mundo disco, pop, rock, folk e country, e criou um trabalho muito bem executado em sua totalidade. “Be the Cowboy” é incrivelmente coeso para algo preenchido com tantos estilos diferentes. É um álbum quase perfeito.