“More Life” explora uma energia completamente exuberante – é tão confiante, relaxado e atraente.
Drake mudou as coisas em seu último lançamento, pois em vez de se referir como um álbum, o rapper o está chamando simplesmente de “playlist”. Alguns artistas chamam seus álbuns de mixtapes, mas “playlist” é realmente inovador. Por ser uma lista de reprodução voltada para os serviços de streaming, seu repertório com 22 faixas é justificável. Mesmo os fãs mais árduos, provavelmente estão fadados depois de ouvir tantos temas repetidos. Entre eles, incluem o de ser o maior rapper vivo, relacionamentos com ex-namoradas, amigos e dinheiro. Infelizmente, os temas não aspiram a mesma inovação da designação “playlist”, mas ainda assim, nas mãos do Drake são músicas que tornam-se extremamente atraentes. No interior do “More Life”, temos uma enorme lista de produtores, escritores e colaboradores, entre eles Kanye West, 2 Chainz, Travi$ Scott, Young Thug e PARTYNEXTDOOR. É um projeto dinâmico e surpreendentemente eclético. Drake tornou-se um artista que trabalha como cantor e rapper, sempre oferecendo melodias contagiosas e fluxos cativantes. Sua grande versatilidade como vocalista permite que ele execute com eficiência vários estilos musicais. Seja no rap, pop, R&B ou dancehall, ele consegue dar o seu melhor aqui. A irresistibilidade do conteúdo deve-se em grande parte à qualidade de suas composições.
Boi-1da, T-Minus e Nineteen85 são outros grandes e usuais produtores que estão na operação do álbum. Então, seja você ou não um fanático pelo Drake, esse projeto certamente vale a sua atenção. O “Views” (2016) foi um ápice comercial e um beco criativo sem saída. Ele marcou o maior sucesso de sua carreira com “One Dance”, mas o álbum em torno dele foi meio antiquado. Seu vínculo com o 40 havia se tornado obsoleto e, ao longo de seus punitivos 80 minutos, ele arrancou até a última gota de suas produções. Ele esmagou seus inimigos e ouviu as lamentos de suas ex-namoradas – ou pelo menos as ignorou propositalmente. Então, o que viria a seguir? Agora, ele parece estar admitindo tacitamente essa estagnação durante o caloroso e pulsante “More Life”. Discordar de sua autocomiseração permite que suas melhores habilidades voltem à superfície: seu ouvido para melodias, seus gostos sofisticados, suas habilidades de curadoria. Quanto mais vozes ele deixa entrar na mistura, mais completos e ricos são os resultados. Drake dá um passo para trás e deixa a cantora britânica Jorja Smith, de 19 anos, voar sobre uma sinuosa faixa do crescente produtor sul-africano Black Coffee, intitulada “Get It Together”. Coffee e Jorja compõem boa parte da música; Drake é basicamente relegado a resmungar algumas linhas.
Sampha sangra sua dor ao longo de “4422”, sem ninguém mais à vista, lamentando a distância entre ele e uma garota de sua cidade natal. Ele faz isso com ajuda de um piano ofensivo e amplas batidas eletrônicas. Enquanto isso, Skepta reivindica uma faixa inteira, gabando-se de que “morreu e voltou como Fela Kuti”. Young Thug, por sua vez, rouba o show em não apenas uma, mas duas músicas, cuspindo um verso sem filtro vocal em “Sacrifices” e gritando junto com as trompas do reggae de “Ice Melts”. Durante todo o tempo, o apetite do Drake pela música de outras culturas continua intacto. “Eu mudo o fluxo como mudo de fuso horário”, ele canta em “Gyalchester”. Em “Sacrifices”, ele se gaba de comprar “placas de Dubai no estado da Califórnia”. Tanto em alcance quanto em som, Drake pode agora ser uma das estrelas mais globais da história. Ele é astuto e implacável sobre sua viagem pelo mundo: “É uma coisa de irmão, tá ligado?”, ele diz na introdução de “Portland”, invocando uma zona vívida onde a gíria árabe e caribenha colide com o próprio Quavo. A playlist abre com “Free Smoke” e “No Long Talk”, com Giggs, que parecem retiradas diretamente das mixtapes “What a Time to Be Alive” (2015) e “If You’re Reading This It’s Too Late” (2015). “Free Smoke” é uma faixa mais rígida, do tipo em que você corta impiedosamente os adversários e restabelece seu domínio.
Mas ele passa boa parte do tempo lembrando como costumava comer no Outback, ou a vez em que mandou uma mensagem de texto bêbado para a Jennifer Lopez (“Era um número antigo, então voltou”). “More Life” também possui algumas diss tracks, como a própria “Free Smoke” – direcionada ao Kid Cudi. Além dele, o canadense também ataca brutalmente Tory Lanez em “Do Not Disturb”; “Eles não sabem que precisam ser mais rápidos do que eu para chegar até mim, ninguém conseguiu isso”, ele se gaba. Aqui, ele também reconhece a situação sombria em que se encontrava: “Eu era um jovem furioso enquanto escrevia Views, vi um lado meu que nunca conheci”. Em “Can’t Have Everything”, ele ataca o Meek Mill, mas também deixa sua mãe falar com uma mensagem de voz enquanto admoesta seu filho. Outras canções como “Madiba Riddim” e “Blem” são mais mundanas e englobam influências jamaicanas, como o dancehall. “Passionfruit”, por sua vez, já pode ser considerada uma das melhores músicas do seu catálogo; uma canção construída sob um pano de fundo que combina o dancehall e tropical house com o pop e R&B. É uma das faixas mais fortes e doces do “More Life”. Sua instrumentação é composta por tambores suaves e alguns tons de trap, conforme Drake lida com as mágoas de um relacionamento a longa distância.
O conteúdo lírico é simples, mas muito profundo. Ele define com maturidade os eventuais problemas encontrados em um namoro a distância. Letras como “apaixonado por milhas de distância, passivo com as coisas que você diz”, são inteligente e admiráveis. Dessa vez, os tambores são macios, melódicos e emparelhados com um tom mais sensual. A sensação tropical, a batida descontraída e a brisa refrescante são realmente adoráveis. Da mesma forma, a linda “Since Way Back” estende a batida, os silêncios entre eles se abrem totalmente para que você perca momentaneamente todo o senso de tempo. “More Life” é longo, com certeza. É, claro, ele foi projetado para ser longo justamente para engolir o streaming. Mas ele também possui imersão. Quando tudo está certo – o clima, a produção, o lirismo, a melodia – essa imersão parece total e é difícil querer estar em outro lugar. Uma grande parte do seu sucesso pode ser creditada à sua acessibilidade e versatilidade. Além da flexibilidade, as 22 faixas poderiam passar despercebidas se estivessem nas mãos de outro artista. A identidade pluralista e contraditória do Drake sempre foi parte integrante de sua herança para o hip hop. E ele conhece a si mesmo e o seu valor, pelo menos como uma entidade de mercado.