Embora “Rainbow” não seja a descoberta de novos talentos, é certamente o aprofundamento de um já existente.
O “Rainbow”, primeiro álbum da Kesha desde 2013, é uma coleção cuja criação aconteceu quando ela estava em reabilitação. No decorrer de quatro anos, a cantora passou por uma longa batalha judicial contra seu ex-produtor Lukasz “Dr. Luke” Gottwald, por acusações de agressão sexual e abuso emocional. Sem dúvida, sua vida pessoal ficou em mais evidência do que sua arte. O fato do “Rainbow” existir é por si só uma grande façanha. Quando Kesha surgiu na cena musical em 2009, ela rapidamente tornou-se conhecida por conta de músicas divertidas como “TiK ToK”, “Your Love is My Drug” e “We R Who We R”. Entretanto, nos últimos anos, suas experiências foram traumáticas, uma vez que sua carreira ficou amarrada nessa disputa contra Dr. Luke. Mas em julho de 2017, ela finalmente lançou uma nova música. O primeiro single do álbum, “Praying”, mostrou que ela é uma vocalista mais capaz do que a maioria pensa. Às vezes, ela parece gutural e frustrada, mas com tons raivosos surpreendentemente eficazes. É uma música que ninguém esperava ouvir da Kesha e que provavelmente causará uma reviravolta em sua carreira. Ela ainda trabalha sob o rótulo que começou, mas dessa vez está com mais liberdade criativa. E isto é facilmente perceptível em todo o álbum, uma declaração sobre os direitos das mulheres e sua vida pessoal.
Como você poderia esperar, é um disco reflexivo, terapêutico, introspectivo, empoderador e honesto. Composto por baladas contemplativas e gêneros como pop rock, glam rock, neo soul e country pop, “Rainbow” mistura todas as influências musicais da Kesha. Há letras verdadeiramente significativas escondidas atrás de alguma doce melodia, guitarra ou banjo. Ao contrário de seus discos anteriores, “Rainbow” é o trabalho de uma artista mais preocupada em fazer arte do que sucesso nos charts. É como se nós estivéssemos ouvindo-a pela primeira vez, livre e capaz de se expressar verdadeiramente como artista. Nos últimos anos, Kesha foi legalmente proibida de lançar qualquer música, uma cláusula que ela contornou com uma série de shows não oficiais. Sim, é notável que o “Rainbow” exista, mas o fato de ser muito bom é ainda mais surpreendente. É um álbum que poderia facilmente fracassar. Tão perigoso quanto, poderia ter sido um álbum impassível, com Kesha se desculpando por seus sucessos anteriores por meio de faixas autoconscientes que apagam sua personalidade. Mas ainda existe um pouco disso; “Rainbow” é inevitavelmente carregado de subtextos e uma necessidade de provar algo.
Ela se compromete emocional e vocalmente; e as letras – advertências justas – executam sua intenção com precisão. Felizmente, a maior parte do álbum permite que ela seja autêntica. As brincadeiras de estúdio são deixadas; em algumas faixas, ela cai na gargalhada. Se há um motivo pelo qual “Rainbow” não parece coeso ou um álbum que pertence a Kesha, é mais um subproduto da situação dela. Ela ainda deve mais dois álbuns ao selo que ela brigou para deixar, e aqui ela luta com seus caprichos comerciais. Desde o “Warrior” (2012), ela luta para criar músicas de rock, com sucesso limitado; Iggy Pop participou desse álbum, mas em uma versão bem atenuada. “Rainbow” o substituiu por Eagles of Death Metal. A exuberante “Let ‘Em Talk” é como a música dos créditos finais de sua própria história. Influenciada pela era grunge dos anos 90, possui guitarras frenéticas que combinam incrivelmente bem com a energia vocal. Apesar do título desfavorável, “Boogie Feet”, também com a banda Eagles of Death Metal, é surpreendentemente robusta, e culmina em uma chamada para o glam rock – tão divertida quanto qualquer coisa que ela já fez. A primeira faixa, “Bastards”, é uma boa representação do que todo o álbum possui.
Embora explícita com sua atitude já conhecida, é uma balada despojada que troca as batidas dançantes do passado em prol de uma abordagem acústica. O primeiro single promocional, “Woman”, é um provável destaque – uma canção feminista com produção influenciada pelo soul, funk e jazz, liricamente irritada pelos comentários de Donald Trump sobre as mulheres durante o início de sua eleição presidencial. As trompas jazzísticas de The Dap-Kings Horns fornecem o ambiente ideal para o forte desempenho vocal. “Eu sou um mulherão da porra, meu bem / Eu não preciso de homem pra ficar me segurando / Estou apenas me divertindo com minhas amigas aqui esta noite / Eu sou do caralho”, ela canta no refrão. A mera existência dessa música é uma espécie de golpe. Mas ela está se divertindo: rindo durante a música e proclamando-se uma “mulher do caralho” no refrão colossal. Seus primeiros discos, é claro, foram feitos para serem divertidos; aqui, pode-se dizer inequivocamente que Kesha acatou isso. A balada midtempo “Hymn” é um synth-pop dedicado àqueles que se sentem presos e insuficientes. Aqui ela foca na auto aceitação: “Um hino para quem não tem hino / Não precisa de perdão / Porque se há um paraíso / Não ligo se entraremos lá”.
Como mencionado, “Praying” foi o single de retorno – uma resposta direta para Dr. Luke: “Bem, você quase me fez de tola / Me disse que eu não era nada sem você / Mas depois de tudo que você fez / Posso te agradecer por quão forte eu me tornei”. É provavelmente o momento mais melancólico, emocionante e angustiante de sua carreira – uma declaração poderosa sobre crescimento e sobrevivência. Os vocais estão excepcionalmente vulneráveis e arrancam suas lágrimas sobre belas teclas de piano. Em “Learn to Let Go”, ela se liberta do passado e dos demônios interiores; é outra faixa inspiradora e lindamente otimista com elementos de pop rock. Em seguida, Kesha compartilha sua visão sobre o amor na adorável “Finding You”. Um número curto e simplista com foco em sua apaixonada performance vocal. Desta vez, ela é acompanhada apenas por uma guitarra acústica e alguns tambores. A faixa-título é outra balada sensível que destaca sua recente caminhada. Kesha se mostra resiliente e canta sobre recuperar a luz depois de se perder por estradas sombrias. Escrita enquanto estava na reabilitação, a música detalha sua jornada pessoal através do que aconteceu nos últimos anos. Influenciada pelo country, “Hunt You Down” é um desvio sonoro incrivelmente atraente que apresenta melodias otimistas e vocais mais carismáticos.
Inesperadamente country, Kesha parece estar num gênero muito confortável e familiar. Sua alegria idiota quase se torna uma versão rockabilly de “Stephen” – faixa do “Animal” (2010). “Boots”, por sua vez, é uma busca sombria pelo amor: “Então deslize aqui, me diga a verdade / Eu sei que você me ama vestindo nada além de suas botas”. Kesha também retorna às suas raízes em “Old Flames Can’t Hold a Candle to You”, o maior sucesso de Pebe Sebert, popularizado por Dolly Parton. Parton, sempre conhecida por apoiar seus acólitos, foi convidada para participar deste arranjo mais completo, e há uma sensação atraente de um legado sendo transmitido. Enquanto “Godzilla” é uma inofensiva balada acústica, “Spaceship” possui letras sombrias, vulneráveis e estranhamente esperançosas. Apoiada por uma produção bluegrass, ela tenta encontrar respostas falando sobre a morte. “Rainbow” é o álbum mais forte da Kesha até o momento; aqui podemos apreciar experimentos de jazz, country, rock e blues. É um registro feminista, emocional, inspirador e vulnerável. Pode não ser coeso e estilisticamente linear, mas, de alguma forma, encaixa-se perfeitamente à sua estética desordenada. Kesha ainda pode estar tentando encontrar sua identidade, mas conseguiu criar um ótimo álbum.