Cada música tem sua própria estética; diferente de álbuns anteriores, tudo soa surpreendentemente distinto.
Muita coisa aconteceu desde que Jessie Ware lançou o “Tough Love” (2014) há três anos. A britânica deu à luz em 2016, casou-se e escreveu o seu terceiro álbum de estúdio. Enquanto “Devotion” (2012) e “Tough Love” (2014) foram enraizados na música eletrônica e R&B, “Glasshouse” explora um estilo mais contemporâneo e soulful. Embora seja estruturalmente parecido com seus antecessores, é definitivamente mais lento e pesado. É outro perfeito exemplo do poder, sensibilidade e elegância da Jessie Ware. A produção é o que realmente chama atenção aqui, algo bem equilibrado com o seu estilo sofisticado. No seu interior, realmente temos algumas obras-primas. Ao escrever o álbum em meio a sua gravidez, Ware adicionou temas mais amorosos e esclarecedores. Na capa do álbum, ela é retratada emergindo do pátio da Neuendorf House na ilha de Maiorca, na costa da Espanha. Trata-se de uma série de paredes que dão forma a diferentes tipos de espaço: longos corredores que se abrem para uma quadra de tênis e uma piscina retangular, com tetos parcialmente excluído para permitir a entrada de luz. A foto não é exclusivamente focada na Jessie Ware e nas sombras ao redor dela.
Os olhos são atraídos tanto para o marrom suave e avermelhado das paredes quanto para o céu azul compactado em um retângulo acima dela. Ware queria que a capa enfatizasse a arquitetura; como ela explicou em uma entrevista uma semana antes de a imagem ser tirada: “Eu quero que seja uma bela imagem da qual talvez eu seja uma pequena parte”. Dito isto, cada música do “Glasshouse” tem sua própria estética; ao contrário de seus álbuns anteriores, não há músicas aqui que possam ser confundidas uma com a outra, nenhuma que pareça uma reflexão tardia. Aqui, as faixas são entidades discretas, aparentemente projetadas e montadas por sua própria equipe de arquitetos, seja Benny Blanco, Cashmere Cat e Happy Perez bordando “Selfish Love” com uma guitarra flamenca ondulante ou ST!NT formando a espinha dorsal de “Your Domino” com pulsos sintéticos. Quase parece que Ware está tentando desviar a atenção de si mesma, mas ela está posicionada diretamente no centro do álbum. Ela conecta cada um desses ambientes não relacionados – moldando-os em vácuos escorregadios repletos de desejo. São canções sobre como os sentimentos tendem a não se mapear na realidade e como a realidade tende a ser imperturbada pelo peso de nossos sentimentos.
E “Glasshouse” chegou em um momento profundamente emocional para Ware; ela escreveu boa parte das letras após dar à luz sua filha. Lançada como carro-chefe do álbum, “Midnight” foi o primeiro vislumbre que tivemos do “Glasshouse”. “Você é especial”, ela canta no verso inicial. Rapidamente, nós percebemos como ela se sente – os belos, delicados e refinados vocais exalam uma vibração incrivelmente adorável. Ware é conhecida por seus tons sensuais e hipnotizantes, além de ser bem sucedida na música R&B e soul. Em “Midnight”, ela apresenta uma produção pop com alguns elementos desses dois gêneros. Ware começa com uma vibração misteriosa e linhas sutis, antes de apresentar uma balada com notas altas e grandes vocais. “Não me deixe cair, agora que eu preciso de você”, ela implora ao seu marido. “Midnight” desloca-se com sons eletrônicos, mas é o poderoso piano do refrão que eleva as coisas. A forma como o excitante piano é utilizado, foi um dos maiores acertos da música. O sintetizador e os tambores também foram bem utilizados, mas o ponto mais impressionante continua sendo a sua voz. Em seguida, “Thinking About You” fornece poderosos tambores, enquanto Ware emociona com seu canto edificante.
Os vocais estão realmente fortes, embora a canção seja uma reminiscência de músicas mais conhecidas do Sam Smith. O bluesy “Stay Awake, Wait for Me”, com sua bateria ao vivo, é um retorno bem-vindo ao seu estilo mais conhecido. Ela possui um refrão mais romântico, além de um ritmo rastejante e solos de trompete. A música em si é meio sonolenta, mas desperta para seus próprios desejos, formada em uma linguagem que se repete e divaga, como se tivesse sido composta logo após ela emergir de um sonho profundo. Da mesma forma, “Your Domino” possui melodias que casam perfeitamente com o álbum. ST!NT conseguiu criar o pano de fundo ideal para os brilhantes vocais. É um dos destaques do álbum, principalmente por proporcionar uma óbvia mudança de ritmo. O terceiro single, “Alone”, é sincero, dramático e elevado por um coro de backing vocals. Sob um piano solene, uma melodia consistente e vocais mais íntimos, é uma peça deliciosamente suave. “Selfish Love” possui uma produção ainda mais épica – há elementos latinos e um sulco tropical, mesmo permanecendo fiel ao estilo da Jessie Ware. Tudo soa perfeitamente no lugar, desde as guitarras saltitantes até as linhas vocais.
O synth-R&B “First Time”, por outro lado, fornece uma melodia mais etérea e letras estritamente pessoais. Co-escrita por Julia Michaels, “Hearts” é um dos momentos mais radiofônicos do repertório. Diferente da maior parte do álbum, possui mais dinâmica e um refrão explosivo. Em cima de linhas de órgãos, “Slow Me Down” usa uma base melódica para falar sobre o amor. À medida que os vocais crescem, sua personalidade a faz tornar mais familiar. “Finish What We Started”, por sua vez, é uma maravilhosa e apaixonada fatia pop. Os vocais estão muito mais celestiais, delicados e aveludados do que de costume. Além dos perfeitos tambores, a canção contém brilhantes sintetizadores e uma notável guitarra elétrica. Uma das melhores músicas do álbum, “Last of the True Believers”, com Paul Buchanan, do The Blue Nile, ressalta sua elegância como artista. Musicalmente, possui uma produção global espetacularmente suave que torna sua escrita mais direta. Mais uma vez, Ware esboça outra cena íntima: um casal dirigindo em meio à névoa, abandonando uma vasta cidade. Os detalhes param de evoluir e começam a evaporar conforme sua atenção se volta para imagens mais abstratas e envolventes.
“Vamos nos perder para sempre / Você está me ouvindo?”, ela canta. “Last of the True Believers” traz à mente um rolo de imagens discretas de saudade: matagais de edifícios iluminados, postes de luz brilhando através da névoa, um amor íntimo que mapeia e muda o ambiente. Ware é apenas uma pequena parte da bela imagem dessa música, mas ela também é a razão de tudo isso. A intimidade que existe nas margens do sono não é normalmente um assunto da música pop. Mas esse é precisamente o sentimento que Ware está tentando trazer à superfície do álbum, os momentos ociosos que inicialmente parecem ter pouca importância universal, mas as pessoas tendem a se encontrar de qualquer maneira. Como se estivesse imitando a vila Neuendorf, Ware anseia por excluir parcialmente o teto de sua própria casa, a fim de ampliar o calor privado da domesticidade. Na última faixa, “Sam”, co-escrita por Ed Sheeran, ela bebe uma xícara de café em uma estação de trem e parece se perder na conversa de outra pessoa. Mas mesmo quando seus pensamentos se dispersam, eles sempre voltam para o marido e a filho, e a maneira como os dois mudaram sua vida.
Desta vez, Ware explora um som completamente acústico. Intitulada a partir do nome do marido, é uma ode realmente dedicada a ele e ao nascimento de sua filha. O violão, o baixo e sua voz parecem desaparecer em uma nuvem de sintetizadores e chimbais; suas notas individuais agrupam-se, separam-se e pulsam fracamente através dos instrumentos. Mais uma vez, temos um refrão altamente emocional com letras requintadas e profundamente pessoais. Tudo termina com quase 1 minuto de solo de trompete e efeitos de gotículas. Ware se sente especialmente em casa nos arranjos mais orgânicos do álbum. “Selfish Love” e “Sam” são apoiadas pela seção rítmica do baixista Palladino e do baterista Chris Dave, que acompanharam D’Angelo no “Black Messiah” (2014). Ambos são extraordinários e hábeis; mas nas músicas da Jessie Ware, que não são necessariamente de funk ou soul, eles se expressam principalmente por meio da contenção. Jessie Ware trabalhou com uma série de escritores e produtores no “Glasshouse”, mas ainda conseguiu torná-lo autêntico. Ela é uma mãe e artista em evolução, que gosta de compartilhar suas visões sobre o amor com grande sabedoria.