“Blue” é a forma mais pura do talento de Joni Mitchell, por isso é tão perfeito! Simplesmente não possui falhas.
O quarto álbum da Joni Mitchell, “Blue”, foi lançado em 1971 para alto elogio da crítica. Esse disco possui arranjos escassos que inclinam-se fortemente para o folk – com Mitchell tocando a guitarra acústica e o piano. Inicialmente, a canadense pretendia prosseguir uma carreira na pintura em vez da música, mas ficou desiludida e então tentou várias vezes uma carreira como cantora folk. Joni Mitchell decidiu viajar por um ano e concentrar-se apenas na escrita e pintura. Durante este tempo, ela fez um longo passeio pela Europa que acabou tornando-se a grande inspiração para o “Blue”. Após a gravação no início de 1971, uma versão original do álbum foi programada para março, mas ela decidiu substituir duas músicas de última hora, atrasando o lançamento para junho do mesmo ano. Dito isto, “Blue” é incrivelmente honesto com a felicidade e a tristeza, além de apresentar diferentes emoções revestidas em poesia. Sua voz retrata tudo e, as canções lideradas pelo piano, mostram Joni Mitchell sendo uma futura inspiração para cantoras como Kate Bush e Tori Amos. “Blue” é um verdadeiro confessionário para ela, por isso merece cada elogio recebido nos anos seguintes.
Mesmo se esse fosse o único álbum da Joni Mitchell, certamente sua indução ao Rock and Roll Hall of Fame já estaria assegurada. Foi através do “Blue” que sua honestidade ficou completamente exposta. No decorrer de 10 faixas e quase 36 minutos de duração, ela derrama sua alma sobre perfeitas composições. Tão genuinamente, Mitchell compartilha de forma mágica todos os acontecimentos de sua viagem. Assim como muitos artistas populares, ela retrata sua vivência, relacionamentos e os altos e baixos da vida. Ademais, “Blue” é enganosamente complexo – em seu interior encontramos apenas instrumentos como guitarra, piano e, ocasionalmente, baixo e percussão. Possui um contraste musical espetacular que se encaixa perfeitamente ao canto e lirismo da Joni Mitchell. É um álbum natural e atraente por conta própria que mantém uma estética experimental e acústica. A maneira como cada emoção é apresentada é simplesmente deslumbrante. E apesar da natureza sombria de grande parte do repertório, tudo é muito envolvente e delicado. Joni Mitchell nunca teve medo de expor suas falhas e ser uma artista vulnerável – sua música sempre assumiu uma natureza confessional e genuína.
Falando sobre amor, arrependimento e perda, suas canções expõem emoções que só poderiam ter vindo de alguma experiência verdadeiramente pessoal. Em outras palavras, a narrativa e o vocal da Joni Mitchell possuem uma qualidade discreta, mas excepcionalmente bonita e atraente. Seu trabalho ajudou a criar um novo idioma poético, criando um espaço para canções que faziam declarações artísticas, sem limites pelo clichê. amanha era a força de sua música que as letras não precisavam fazer sentido. Mas eles fizeram, principalmente para as mulheres. Durante a década de 70, Mitchell traçou um dos arcos de carreira mais sólidos da música contemporânea. Durante todo o tempo, ela estava confiante e impenitente em sua visão, em uma era em que esse tipo de ego era inadequado para uma mulher. Mitchell foi “descoberta” em 1968 quando David Crosby estacionou em um veleiro do lado de fora do clube em que ela tocava na Flórida e a levou para Los Angeles. Na época, o folk estava fora de moda, mas Mitchell conseguiu fechar um contrato sem precedentes com uma grande gravadora desde que tivesse liberdade artística total e completa, com a ressalva de que Crosby produziria seu primeiro álbum.
Era raro uma mulher escrever e gravar seu próprio material na época, muito menos ser um ato solo desacompanhado. Embora sua estreia, “Song to a Seagull” (1968), tenha sido um precedente pesado para a época, as letras tocavam de forma estranha contra o ambiente musical formal e afetado. O delicado álbum sofreu com a produção intrusiva do David Crosby; Mitchell se autoproduziria a partir de então. E “Blue” é possivelmente o álbum de término mais devastador já feito. Depois que o seu relacionamento com Graham Nash foi dissolvido, ela foi para a Europa, acabando por se exilar em uma caverna na ilha grega de Creta. O álbum está repleto de melancolia por tudo o que está faltando: sua filha (“Little Green”), inocência (“The Last Time I Saw Richard”) e conexão (“All I Want”). Mitchell sangra timidez e a destaca com notas sobressalentes arrancadas. Enquanto seus amigos Neil Young e Leonard Cohen também impulsionavam o gênero, nenhum deles conseguiu superar a distância que Mitchell fez aqui em um único álbum. “All I Want” passa por alguns acordes de guitarra acústica antes de entrar no primeiro verso. Possui uma grande melodia e define o tom para o resto do álbum, graças a sua entrega vocal.
A balada de piano “My Old Man” mantém o seu humor completamente intacto. Sua voz está absurdamente variada nessa canção – o atmosférico piano, às vezes, parece arrancar lágrimas dos seus olhos. Músicas como “Little Green” e “River” têm melodias incrivelmente reconfortantes. “Little Green” foi originalmente escrita em 1967 – ela possui instrumentos discretos e uma qualidade fabulosamente etérea, enquanto as letras parecem um verdadeiro poema. “River”, por sua vez, é uma balada de piano solo apresentada sob a perspectiva de uma pessoa com saudades do frio. Letras poéticas e inventivas reforçam a metáfora que ela tenta retratar. O folk rock “Carey” é bastante alegre e exala originalidade em sua instrumentação. Possui uma melodia otimista e arranjos mais ricos do que a maior parte do repertório. Naturalmente sintonizada, ela possui um refrão adorável e vocais distintos. Desta vez, sua voz foi acompanhada pelo baixo de Stephen Stills e uma ligeira percussão de Russ Kunkel. Assim como “My Old Man”, “Blue” possui instrumentos atmosféricos que quase trazem lágrimas aos olhos – uma balada incrivelmente linda com vocais completamente apaixonados.
Em seguida, “California” apresenta um lindo violão de aço juntamente com um som folk, a fim de criar uma sensação mais alegre. “Você vai me aceitar como eu sou amarrada a outro homem?”, ela pergunta aqui. Essa canção se apresenta de forma acústica sobre dinâmicas improvisações líricas. Muito narrativa, elegante e crua, a letra se baseia na saudade de sua casa enquanto viajava pela França. Em “The Flight Tonight”, o violão acrescenta tensão e melancolia. Também possui uma sensação acústica, mas muito mais escura e nebulosa. A instrumentação mais variada funcionou perfeitamente. As linhas enganosamente simples do violão acompanham o variado vocal da Joni Mitchell e as letras sobre arrependimentos. “A Case of You” é outra bela faixa acústica com letras espetacularmente sinceras e hipnóticas. Há melodias bem reformuladas por toda parte, além de um vocal expressivo e inspirador. O álbum é concluído com “The Last Time I Saw Richard”, uma canção que detalha momentos do seu primeiro casamento. Uma deprimente balada de piano com letras que documentam o breve casamento com Chuck Mitchell em meados da década de 60.
Dolorosos gemidos são colocados sob linhas sombrias de piano e exalam uma sensação escura e reveladora. Os instrumentos são perfeitamente equilibrados enquanto os vocais ricos e eloquentes – é a conclusão perfeita para o álbum. A partir do “Blue”, Joni Mitchell iniciou um pico criativo em sua carreira. É considerado o seu disco mais influente e inspirador. Tanto que ele parece tão marcante hoje como o dia em que foi lançado a quatro décadas atrás. Mas há um motivo pelo qual o álbum envelheceu tão bem: ele simplesmente não possui falhas. É difícil descrever sua magia quando a instrumentação é tão simples. Em outras palavras, “Blue” é a forma mais pura do talento da Joni Mitchell. Seus álbuns dos anos 80, como muitos de seus colegas da era hippie, eram arrogantes e repreensivos, e apresentavam estranhos abraços da tecnologia. Mitchell se aposentou por longos períodos para se concentrar na pintura. Seu último disco realmente bom foi o “Both Sides Now” (2000), onde, com seu alcance devastado por décadas de tabagismo, ela canta a versão definitiva da faixa-título que lançou sua carreira e finalmente soa como se já tivesse visto o suficiente da vida.