Um diferencial entre Filipe Ret e outros rappers brasileiros, é o arco político da maior parte de suas rimas.
O rapper carioca Filipe Ret lançou, na noite dessa quinta-feira (18), o seu novo EP, intitulado “Imaterial”. O registro possui cinco faixas, sendo quatro inéditas: “Cobaia de Deus”, “War”, “Acende a Vela” e “Além do Dinheiro”. A exemplo do single “F* F* M*”, lançado em fevereiro, todas as faixas ganharam videoclipes. Mostrando um pouco de sua versatilidade musical, “Imaterial” é totalmente baseado em sua fé. O conceito audiovisual aposta em uma unidade de linguagem, levando o ouvinte para uma experiência submersa. Completamente inspirado pelo trap – subgênero do hip hop – sua estética é carregada por transições, efeitos especiais e texturas brilhantes. No começo da década de 2010, Filipe Ret fazia parte do cenário underground do hip hop, mas ganhou maior notoriedade com os lançamentos dos álbuns “Vivaz” (2012) e “Revel” (2015). Ambos registros apresentaram um conteúdo lírico mais violador e perpetrador, levando-o a uma mudança sonora com batidas mais modernas e sintetizadas. “Audaz” (2018) – a última parte da trilogia -, por sua vez, apresentou um maior amadurecimento musical e conquistou mais respeito dos críticos. Em “Imaterial”, Ret foi mais uma vez auxiliado pelo produtor Dallas.
Ter um parceiro de longa data ao seu lado foi muito positivo para equilibrar as batidas e os instrumentais com o seu fluxo de marca registrada. A primeira faixa, “War”, abre com cordas suaves antes de entregar típicas batidas de trap. Como o título sugere, Ret fala sobre guerras (“Guerras não acabam até morrer, elas existem”) enquanto proclama um discurso sonhador de vitória. Aqui, além de fazer rap, ele também canta. De fato, é uma canção bem mais melódica do que o sinistro primeiro single, “F* F* M*”. Um trap moderno com pano de fundo formado por tambores, chimbais e sintetizadores, onde Ret tenta instigar uma visão diferente da realidade e gerar questionamentos sobre o que é politicamente correto. “F* F* M*” ganhou um videoclipe, com direção de Cauã Csik, baseado no conceito de metalinguagem. Segundo Ret, o filme é uma viagem sensorial, que brinca com o mundo real e o mundo da arte. O lançamento também é uma resposta artística ao recente episódio no qual ele recebeu voz de prisão por porte de maconha. “Além do Dinheiro” fala sobre conquistas e o que realmente traz felicidade para ele. “Eu mesmo criei meu caminho, agora é fácil quando eles me chamam de visionário”, ele diz inicialmente. “Se entrar no caminho, vai virar peneira porque eu tô de pente carregado”.
Como faixa mais curta do EP, mal ultrapassando a marca de 2 minutos, “Além do Dinheiro” tem uma abordagem mais restrita. Além dos tambores de trap, possui apenas o apoio de algumas teclas singelas. No entanto, embora o instrumental seja mais aéreo do que o habitual, Ret proclama linhas mordazes: “Negatividade não me afeta / Tô pouco me fudendo pra esses merda / Só tô pensando na bunda dela”. Em “Acende a Vela”, a única faixa que não foi produzida pelo Dallas – dessa vez os responsáveis pelas batidas foram Pedro Lotto, Wey e Nagalli -, ele rima de forma mais assustadora. Aqui, há algumas linhas polêmicas que certamente vão provocar reflexão no ouvinte. “Se o ser humano tem raça, eu odeio a minha (…) / Deus era um gay preto, o diabo branco e hétero”, ele recita no segundo verso. Não dá para negar que “Acende a Vela” é um dos destaques do EP. Ret aborda a desigualdade social (“Ninguém pode tá feliz enquanto o desemprego bate recorde, junto com o lucro dos bancos”), aborda a violência das favelas (“Só vejo guerra em favela, inocente, polícia e bandido que morre”), crítica a corrupção (“Povo perdido na mão de político, nem protesto resolve”) e ataca o governo federal (“Nova ditadura em forma de milícia, quando que essa casa vai cair?”).
Por fim, no refrão, ele clama por amor: “Deus me falou / Acende a vela, dê mais amor do que você recebe”. A última faixa, “Cobaia de Deus”, possui a participação de MC Cacau, pioneira do funk carioca nos anos 90. As típicas rimas motivacionais do Filipe Ret aparecem com maior clareza aqui. “Feito um bom malandro eu vim lá do bando com os orixá guiando/ Anota o que vou dizer, pai / Quem não levanta pra bater vai continuar apanhando / Mas quem vem de quebrada, se ergue do chão”, ele diz nas primeiras linhas. Além da influência de funk, “Cobaia de Deus” também possui elementos de afrobeat, sintetizadores, linhas de baixo e diferentes tipos de percussão. Liricamente, a canção fala sobre desapego e evolução. E mesmo com uma pequena participação resumida ao refrão, Cacau brilha com seus vocais sonhadores. Um diferencial entre Filipe Ret e outros rappers brasileiros, que adoram falar sobre amor e drogas, é o arco político da maior parte de suas rimas. “Imaterial” pode não ser seu melhor trabalho até à data – até mesmo porque possui algumas produções bem previsíveis -, mas ainda assim mostra seu forte talento para o lirismo.