“Navio Pirata” quebra fronteiras estilísticas, mas sem deixar de lado as raízes baianas do BaianaSystem.
BaianaSystem é um grupo musical de rock, rap, axé e reggae fundado em 2009 em Salvador, Bahia, liderado por Russo Passapusso. Em 2016, o grupo ganhou visibilidade internacional com o single “Playsom”, que fez parte da trilha sonora do jogo eletrônico “FIFA 16”. A banda mistura o sound system jamaicano com a guitarra baiana, transitando basicamente entre o samba, reggae, rap rock e ska. O grupo também mistura outros gêneros afro-latinos como MPB, frevo, afrobeat, reggae, cumbia e pagode baiano. O BaianaSystem conta com a colaboração de diversos músicos, produtores e artistas. Entre os colaboradores mais frequentes que ajudam a formatar a sonoridade, estão os DJs e produtores João Meirelles e Mahal Pitta, e os percussionistas Ícaro Sá e JapaSystem. Filipe Cartaxo é o integrante responsável pela arte gráfica, fotografias e vídeos. Russo começou sua carreira dentro do BaianaSystem em 2008, lançando em 2010 o primeiro álbum homônimo da banda, como criador conceitual, ao lado de Roberto Barreto. Contudo, o BaianaSystem foi assertivo ao escolher a data para lançar a primeira parte do seu novo projeto. Apesar da ausência das festividades, por causa da pandemia do COVID-19, o grupo decidiu marcar presença nesta sexta-feira (12) de Carnaval com o lançamento de “Navio Pirata”, o primeiro ato do seu novo álbum de estúdio, “OXEAXEEXU”.
O LP, que tem o mesmo nome do bloco de Carnaval da banda, mistura o reggae com o axé, samba, rock e recebe influência direta da África, com a participação de Makaveli e DJ Jay Mitta, representantes do movimento singeli music, popular na Tanzânia (país do leste africano). No total, são sete canções que também recebem participações dos convidados BNegão, Céu e Dona Ritinha (uma rezadeira do Sertão da Paraíba). “OXEAXEEXU” é o sucessor do álbum “O Futuro Não Demora” (2019); produzido mais uma vez por Daniel Ganjaman, ele será lançado em três partes – “Recital instrumental” e “América do Sol” serão divulgados em 05 e 26 de março, respectivamente. Dito isto, uma das principais qualidades do BaianaSystem é nunca se manter na mesmice. Eles embarcaram em uma mistura de ritmos e sons que resultou no “ATO 1: Navio Pirata”. Essa primeira parte do “OXEAXEEXU” mostra como o grupo é capaz de se reinventar, tudo isso sem perder suas raízes. Mesmo nesse novo projeto, BaianaSystem não largou a guitarra baiana, a percussão, os metais, as madeiras e as letras recheadas de críticas sociais e religiosidade. Em comparação com os shows do grupo, “Navio Pirata” tem um som mais sintetizado.
A quarta faixa, “Catraca”, por exemplo, usa um sample de um clássico do Carnaval baiano, “Buzu”, de Tonho Matéria, cantor e compositor dos blocos de Salvador, conhecido na versão da Banda Fuzuê. “Navio Pirata”, de fato, nos mostra várias referências a ritos de diversas religiões. Em meio a poesias, podemos notar uma longa viagem da África para a América. “ATO 1: Navio Pirata” é mais um capítulo da carreira do BaianaSystem, que vem adquirindo uma postura cada vez mais diversificada. Russo Passapusso, Roberto Barreto e companhia, conseguiram fazer algo inesperadamente complexo: eles misturaram a modernidade com a tradição. “Navio Pirata” tem um espírito africano e latino, assim como instrumentos como guitarra, baixo, sintetizadores, metais, tambores e bandolins. De fato, o álbum é uma verdadeira viagem. Parte da Bahia, passa pela África e chega de volta à América Latina. Com uma percussão intensa, “Reza Forte” – com participação de BNegão (integrante do Planet Hemp) – fala sobre superstição, religião e proteção. A música começa com um trecho de “Cantata pra Alagamar”, peça musical de 1979 de José Alberto Kaplan & Waldemar José Solha.
O videoclipe conta com direção de Belle de Melo e traz cenas gravadas na Ilha de Itaparica, na Bahia, local anteriormente ocupado por índios Tupinambás e descoberto pelos europeus em novembro de 1501. Composta por Russo Passapusso e SekoBass, o refrão diz: “Folha de arruda, pé de coelho e sal grosso”, evocando a segunda faixa do álbum, “Raminho”. Essa canção instrumental, guiada pela guitarra baiana, conta com Dona Ritinha rezando a “Ave Maria”. Ela é uma rezadeira do sertão paraibano e a oração foi retirada do documentário “O Ramo”, de Breno César. A singeli music, gênero musical de ritmo acelerado, faz muito sucesso na maior e mais populosa cidade da Tanzânia. E tal gênero serve como base da canção mais significativa do álbum, “Nauliza” – com participação de Makaveli e Jay Mitta. O corte, cantado no dialeto suaíli, língua falada em Dar es Salaam, também apresenta batidas de tambor, baixo e riffs de guitarra baiana. Acelerada e vigorosa, “Nauliza” ainda contém elementos de grime, gênero urbano que surgiu em Londres, Inglaterra, no início da década de 2000. Abrindo a segunda metade do álbum, temos a faixa “O Que Não Me Destrói Me Fortalece”, com participação de Céu. Mais uma vez, BaianaSystem transita entre diferentes sons, tais como dubstep e reggae.
Produzida por Bruno Buarque, a canção encontra a cantora paulistana no meio do ritmo guiado pela guitarra e linha de baixo. A base de “Monopólio”, penúltima faixa do repertório, é a batida eletrônica também utilizado no grime e UK garage. Ademais, possui sample do samba rock gravado pelo cantor baiano Cyro Aguiar no álbum “Anticonvencional” (1969). “Quais os nomes das famílias que dominam nosso mundo? / Quais os nomes das empresas que compraram nosso estado?”, eles perguntam aqui, provocando uma reflexão duradoura. “Os irmãos Koch, os Rockefeller / Não estão atrás da cela”, Passapusso continua. Em suma, “Chapéu Panamá” fornece pancadas de bateria e um gingado latino enquanto fala de guerra e sangue (“Briga, sangue salgado e água doce / Água que a chuva me trouxe”). O foco da vez são os países da América Latina, citando o Brasil, Panamá, Paraguai, Uruguai e Nicarágua. Após uma viagem por ritmos da África e América, o primeiro ato abre caminho para a chegada de “Recital Instrumental” e “América do Sol”, que completam o álbum “OXEAXEEXU”. “Navio Pirata” quebra fronteiras estilísticas, mas sem deixar de lado suas raízes baianas. Possui um repertório consistente e reflete poeticamente sobre a nossa cultura e sociedade.