No geral, Ryan SP escolhe batidas pesadas e adequadas para ele ser tão barulhento e raivoso quanto deseja.
Nascido e crescido na favela Zaki Narchi, na Zona Norte de São Paulo, Ryan Santana dos Santos, mais conhecido como MC Ryan SP – ou Tubarão, como é chamado pelos fãs -, tem apenas 18 anos e vem fazendo barulho no funk paulista. Mas ele realmente estourou nos últimos meses, tendo em vista que está envolvido em vários hits recentes: “Revoada do Tubarão”, “Set Djay W 3”, “Vergonha Pra Mídia”, “Outfit Valioso”, “Os Mandrake Curte a Vida” e “E aí! Como Cê Tá?” e “Ilusão (Cracolândia)”. Os números provam que Ryan SP é um dos maiores artista de funk do momento – embora sua caminhada até o sucesso não tenha sido nada fácil. Ontem (12), ele lançou seu primeiro álbum de estúdio; um registro curto formado por apenas 7 faixas e menos de 30 minutos de duração. “Lágrima do Tubarão ‘Contos e Fatos'” possui participação de vários convidados: Salvador da Rima, MC Hariel, MC Cabelinho, Xamã, MC Davi, MC Don Juan e MC Kevin. Diferente de outros artistas de funk, Ryan SP trouxe um nível de escrutínio poderoso para o seu primeiro álbum. Embora o registro não seja inovador, ele oferece um vislumbre do que o torna único, transmitindo qualquer rabisco de ostentação. Em “Lágrima do Tubarão ‘Contos e Fatos”, a mansidão sobe ao palco com tons exagerados e melodias abafadas.
Ainda assim, convidados como MC Don Juan e MC Kevin apenas exacerbam as fraquezas líricas do Ryan. Na maioria das vezes, suas rimas soam como puro enchimento. Quando ele tenta reconstruir cenas de crime com um senso de realidade, os resultados não têm a gravidade de suas músicas mais animadas. Em “Lágrima do Tubarão ‘Contos e Fatos'”, ele se mostra mais promissor quando diminui o ritmo e se concentra em moldar sua realidade atual. As falas parecem sombrias no papel, mas quando rapadas em um espaço vazio, elas quase se tornam uma comédia. Não importa o quão longe Ryan SP puxa você para seus pensamentos perturbados, ele tece em sua marca registrada; rap em um latido alto que muitas vezes evolui no meio da música para um grito ainda mais alto. A alegria de ouvi-lo é testemunhar um artista que, mesmo tão jovem, aparentemente não foi poluído por qualquer tipo de refinamento ou recalibragem da indústria. A energia cativante das batidas se infiltra no álbum, conforme ele fornece fluxos, vozes e cadências em tempo real que refletem sua ostensiva narrativa. Mais frequentemente, as músicas do Ryan SP são painéis de humor delirantes, que se misturam com momentos de paranoia e festividade. Como uma sitcom, sua música fica mais engraçada quanto mais você se aprofunda, muitas vezes de forma auto-referencial.
No geral, Ryan SP escolhe batidas de qualidade que são adequadas para ele ser tão barulhento e raivoso quanto deseja. No entanto, a maior falha do LP é justamente os vocais – muitas vezes auto ajustados e indecifráveis. A peça de abertura, “Pós Mancada”, é provavelmente a melhor coisa do álbum. “O teu perfume, ainda paira pela goma / A lingerie, atrás da porta pendurada / E o meu costume, de te ajudar a se despir / Eu tive que perder no pós mancada”, ele canta sob batidas de tambor, sintetizadores distorcidos e teclas de piano. É, sem dúvida, a música mais cativante que você vai encontrar aqui. Sons de água escorrendo introduz a segunda faixa que dá título ao álbum, “Lágrima de Tubarão”. Aqui, ele ganha vida cuspindo punhais sobre uma mulher que arrancou lágrimas de si. No entanto, Ryan SP sabe que não vai morrer de amor e está pronto para outro romance: “Nunca vi ninguém morrer de amor poda pá / Já tô firmão redenção / Pé na porta do puteiro que o shark vai mastigar”, ele canta sob a seca percussão. Com um canto que troca uma atuação ameaçadora por gemidos angustiantes, “Ponto de Equilíbrio” é um exemplo brilhante de quando falar com o coração permite que Ryan SP crie um mundo diferente. “Só quando eu brigo com ela, eu me sinto fraco / Não existe um grande homem sem uma mulher do lado”, Salvador da Rima diz no primeiro verso.
O teclado inicia a música antes da percussão fornecer a base principal. Mas apesar do bom verso do Salvador da Rima, o refrão é atordoante. Em nenhum outro lugar, os vocais do Ryan estão tão ensurdecedores. As três próximas faixas contam com a presença de MC Hariel: “Se Liga” possui um descontraído e ensolarado riff de guitarra; “O Mãe” contém uma base de cordas como premissa principal; “Vida Mansa” tem a melhor percussão, além de um sintetizador reluzente. Mas embora Hariel seja um destaque a parte, o rap dos demais convidados deixa muito a desejar – enquanto a produção tenta compensar os vocais ruins. “Vou ficar solteiro memo / E vou revoar / Foi só uma noite pra minha mente mudar”, Ryan canta em “Vida de Solteiro é Bom”, conforme os graves profundos do DJ Pedro ameaçam explodir os alto-falantes. A título de curiosidade, essa faixa também foi incluída no último álbum do MC Kevin, “Fênix” (2021). Como geralmente acontece com álbuns modernos de funk, a produção é a melhor coisa que podemos desfrutar. Apesar de tantos hits em um curto espaço de tempo, Ryan SP ainda não tem cacife suficiente para lançar um álbum completo. A curta duração de “Lágrima do Tubarão ‘Contos e Fatos'” é um ponto positivo. Porque se o álbum tivesse mais tempo, o estrago seria maior. Às vezes, menos é mais.