“Rebel Heart” pode ser considerado o melhor álbum da Madonna desde o “Confessions On a Dance Floor” (2005), lançado há uma década.
Em novembro de 2014, um hacker invadiu o computador da Madonna e espalhou pela internet um rascunho do que poderia ser o seu novo álbum. Em seguida, ela lançou seis novas canções na iTunes Store e pediu aos fãs que esperassem pelo projeto completo. Após concluir sua última turnê, Madonna começou a trabalhar ao lado de vários músicos talentosos, incluindo Diplo, Avicii e Kanye West. Mas ao trabalhar com um alto número de colaboradores, ela enfrentou problemas para manter um som coeso. Entretanto, “Rebel Heart” pode ser considerado o seu melhor material desde o “Confessions On a Dance Floor” (2005), lançado há uma década. Tematicamente, ele representa duas facetas diferentes de si mesma: um lado romântico e outro rebelde. O primeiro trata de amores perdidos enquanto o segundo mostra uma Madonna libidinosa e autoconfiante. Os temas nasceram e cresceram organicamente durante as sessões de gravação e escrita. Algumas canções são autobiográficas em sua natureza, ao passo que outras são mais introspectivas – musicalmente, é um dos seus trabalhos mais versáteis. O álbum começa de forma promissora com “Living for Love”, produzida por Diplo e Ariel Rechtshaid. Aqui, Madonna apresenta o primeiro de muitos momentos auto referenciais.
É uma maravilhosa canção dance e house, onde não há nada insolente, sexual ou arrogante nas letras – o conteúdo lírico é suavemente edificante. Contém uma percussão profunda e um piano old-school em sua instrumentação, mas se move de forma fresca e contemporânea. Além disso, “Living for Love” ainda possui um excelente coral gospel que nos remete ligeiramente ao passado da Madonna. Aparentemente, ela escreveu as letras com base em um rompimento amoroso – um grito de guerra de um espírito independente. Durante as fases iniciais do álbum, Madonna foi incentivada por seu gerente a trabalhar com Avicii e sua equipe de compositores. Juntos, eles criaram sete músicas, incluindo a fascinante “Devil Pray”. Ela começa com o som de uma guitarra acústica, mas gradualmente fornece batidas eletrônicas. Dessa vez, Madge fala sobre suas experiências com drogas e a busca de espiritualidade. Dito isto, a música também aborda temas como pecado, tentação e o desejo de salvação. Liricamente é uma típica canção da Madonna, afinal trabalha em cima de diversas referências Cristãs. O refrão e a melodia são definitivamente um charme a parte – um synth-pop com elementos de country e folk.
Madonna lista todas as drogas que poderia experimentar, mas admite que essa não é a maneira de ser salva. “Ghosttown” é uma balada pop inspirada pela imagem de um apocalipse e uma cidade destruída. Aqui, Madge detalha como sobreviventes continuam suas vidas, tendo como único apoio o amor entre eles. O canadense Billboard estabeleceu uma paisagem sonora desolada formada por acordes de órgãos e batidas sintetizadas. Ela começa lentamente suave, mas depois explode de forma cativante no refrão. Vocalmente, Madonna está no seu melhor, apresentando-se de forma nítida e sem restrições. Em “Unapologetic Bitch”, ela usou uma produção influenciada por sons caribenhos. Escrita e produzida pelo Diplo, essa confecção eletrônica possui sintetizadores crescentes, batidas de reggae, vibrações de dancehall e um rufar constante. Madonna canta sobre um término de namoro que levou tempo para esquecer. Dessa forma, ela tenta fazer uma declaração mais abrangente de independência incondicional, embora utilizando termos bastante atrevidos. Diplo usou cada buzina que conseguiu, juntamente com quebras de tambores e sirenes. A quinta faixa deixa o ouvinte curioso a ponto de começar a questionar se os Illuminati realmente existem.
Co-produzida pelo Kanye West, “Illuminati” faz várias referências às teorias de conspiração – é uma resposta para as pessoas que dizem que ela está associada aos Illuminati. Ela cita nomes de outras celebridades que também já foram acusadas de fazer parte da sociedade secreta, incluindo Jay-Z, Beyoncé, Rihanna, Kanye West, Steve Jobs e Bill Gates. Além disso, ela canta sobre todo o imaginário associado ao termo, como pirâmides, triângulos, feitiçaria e câmaras do Egito. Sonoramente, é um dance-pop repetitivo com sintetizadores, guitarras acústicas e um gancho refrigerado e obscuro. “Bitch I’m Madonna”, com Nicki Minaj, é um EDM com tom nasal onde ela fala continuamente o porquê ela é a “Madonna”. Madge chegou a defender o uso abundante da palavra “bitch”, explicando que, dependendo do contexto, seu significado não é necessariamente vulgar. É uma música que não faz jus ao título provocador e possui altos e baixos. Ela peca principalmente pela confusão barulhenta gerada ao tentar desdobrar-se em vários coisas. Os sons de trap emparelhados com o verso frenético da Nicki Minaj é o maior acerto ao lado da repartição de dubstep. “Hold Tight”, por sua vez, é um número midtempo com tambores militares, bateria pulsante, teclados atmosféricos e floreios eletrônicos.
Liricamente, fala sobre o amor triunfar durante os momentos mais difíceis. Apesar da bela arquitetura sonora, o lirismo é básico e não conta uma grande história. “Joan of Arc” marca um momento autobiográfico especialmente genuíno e sincero; uma peça graciosa que mostra que, mesmo você sendo uma lenda do pop, ainda pode se machucar. Madonna se compara a Joana d’Arc, heroína histórica que liderou o exército francês antes de morrer incendiada. Movida pelo dedilhado de uma guitarra, “Joan of Arc” consegue se sobressair principalmente pela metáfora e produção. Madonna canta sobre a negatividade da mídia e como isso a machuca; ela confessa o quanto as palavras de ódio a afetam, mostrando um lado mais vulnerável que nem sempre conseguimos enxergar. Em “Iconic”, Madonna colabora com Chance the Rapper e o boxeador Mike Tyson. Quem pensa que o ex-campeão mundial de boxe embarcou em uma carreira musical ficará desapontado, pois sua contribuição é formada apenas por falas proclamadas sob fortes aplausos. Trata-se do reconhecimento da Madonna em seu status de ícone, onde ela canta letras motivacionais sobre nunca desistir.
Sonoramente, possui batidas de house e hip hop, além de sintetizadores pulsantes que poderiam soar um desastre no papel, mas funcionam surpreendentemente bem. “HeartBreakCity” é uma balada sincera sobre um devastador término de namoro. Aparentemente, o seu ex-namorado só queria atenção e fama para si próprio. Ela é construída principalmente por acordes de piano e um registro vocal mais profundo. Mas embora seja uma balada relacionável, não tem o mesmo brilho das melhoras faixas do repertório. “Body Shop” é relaxante e gentil, mas também estranha e desarticulada. Os versos são construídos em torno de bandolins e palmas, mas a produção soa inacabada e parece que há uma desconexão entre a mensagem e melodia. Liricamente, Madonna utiliza uma metáfora esquisita ao comparar seu amor a um automóvel que necessita de reparos. Da mesma forma, “Holy Water” é um retrocesso para ela – uma canção sexy e igualmente bizarra. Sexo sempre foi um dos seus temas favoritos, especialmente quando anda lado a lado com a religião. Ela executa uma espécie de batismo erótico totalmente desnecessário, firmado por gemidos e uma pergunta central: “Não tem gosto de água benta?”.
A produção, que teve mão de Kanye West, não consegue deixar uma impressão duradoura e nos remete à “I’m a Slave 4 U” da Britney Spears. Estranhamente na ponte, há uma interjeição com “Vogue”. Felizmente, a produção elegante de “Inside Out” funciona muito melhor. Às vezes, ela soa sexual e outras vezes sincera e comovente. É uma peça sonoramente desolada com vocais flutuando sob sintetizadores de Mike Dean. Dito isto, também permanece contida com acordes de piano e algumas cordas fazendo o serviço pesado. A última faixa, “Wash All Over Me”, fala sobre aceitar o destino e as experiências negativas que passamos na vida. Sob um piano barroco, ela aborda a injustiça no mundo e como podemos enfrentar as coisas que não dá para mudar. É uma canção arejada, fluída e alinhada em seus elementos sinfônicos. Ademais, é moderada nos sintetizadores e impulsionada por um apoio gospel. Mesmo com suas falhas – que não são poucas -, há algo de inegavelmente cativante no “Rebel Heart”. É um projeto que luta contra as piadas e o preconceito acerca da idade da Madonna. Mas até mesmo as canções mais fracas são melhores do que boa parte do “Hard Candy” (2008) e “MDNA” (2012).