“Younger Now” combina o country e pop de forma tão contida, que sua personalidade acaba sendo prejudicada no decorrer do processo.
Em 29 de setembro, Miley Cyrus lançou o seu sexto álbum de estúdio, intitulado “Younger Now”. É tão inesperado quanto o controverso “Bangerz” (2013), afinal ela reinventou-se novamente. Desta vez, Cyrus deixou para trás sua dança infame e trabalhou em cima de suas raízes country. Desde que saiu das sombras do seu alter-ego Hannah Montana, ela já experimentou vários sons e estilos. Em algo todos nós devemos concordar: ela tem algum problema com imagem. Há muito tempo ela busca uma identidade musical. Não há nada de errado em mudar, pelo contrário, às vezes isso é louvável. O problema é que Cyrus muda de gênero musical de maneira problemática. De repente, ela rejeitou a cultura negra do “Bangerz” (2013) para criar uma imagem “branca” composta inteiramente por um country pop inofensivo. Em 2013, ela inspirou-se completamente na cultura negra abraçando o hip hop e o twerk com breves momentos de apropriação cultural na tentativa de se tornar proeminente. No começo, parecia algo inocentemente bobo, mas não era. Isso deu início a uma era obscena da Miley: as sessões de fotos de Terry Richardson de topless, o dueto infame com Robin Thicke no VMA, tudo levando a uma amizade com o vocalista do Flaming Lips, Wayne Coyne.
Juntos, os dois criaram o “Miley Cyrus & Her Dead Petz” (2015), um álbum experimental de 23 faixas movido a drogas. Alguns anos depois, de forma inteiramente casual, Miley Cyrus simplesmente deixou a cultura negra de lado como se estivesse passando por uma fase. Em 2017, ela substituiu qualquer vestígio de hip hop e música psicodélica, em favor de um country superficialmente sintetizado. Parte da razão pela qual “We Can’t Stop” e “Wrecking Ball” explodiram foi pelo fato dela colocar emoção em sua voz. Da mesma forma, “Party in the U.S.A.” tornou-se um clássico pop porque ela parecia estar se divertindo enquanto cantava. Entretanto, em nenhum momento ela exala a mesma energia e emoção no “Younger Now”. Cyrus escreveu todas as faixas com alguma ajuda do produtor Oren Yoel. Além do conteúdo lírico clichê e desconexo, ela não conseguiu reunir um conjunto forte e bem estruturado. É um álbum que mostra o seu lado mais seguro como artista e peca pela falta de risco artístico. “Younger Now” deveria ser uma visão de sua maturidade e uma ideia clara de quem é Miley Cyrus, mas como uma declaração de reinvenção, é apenas uma sugestão do tipo de artista que ela poderia ser.
O repertório mistura o pop rock e country de forma tão mal produzida, que parece que sua adorável personalidade estúpida foi prejudicada durante todo o processo de gravação. Um cover recente de “50 Ways to Leave Your Lover” do Paul Simon mostrou uma estrela pop autoconfiante recuperando suas raízes, enquanto ainda mantinha o estilo pós-Disney facilitado por Mike WiLL Made-It e Pharrell Williams. Mas em vez disso, Miley entregou “Malibu”, seu primeiro single depois de voltar com Liam Hemsworth e uma prévia da falta de vida por vir. Mesmo que “Malibu” deva ser um hino de reconciliação, é muito alegre e grudento para evocar qualquer sentimento de paixão. Musicalmente, “Malibu” é um pop rock midtempo com vibrações relaxadas e descontraídas. Aqui há evidentes influências de country e folk, além de um desempenho vocal emotivo. A faixa-título é uma oferta agradável, mas “Malibu” consegue ser mais atraente e doce. O instrumental é extremamente simples, composto principalmente de um riff de guitarra. Em algumas das linhas, Cyrus canta: “É um novo começo, um sonho se tornou realidade em Malibu”. A faixa-título olha para trás enquanto foca em quem ela era e como mudou.
Cyrus tenta explicar para os fãs quem ela é atualmente depois de ter surgido no papel principal de Hannah Montana. Ela parece insinuar que finalmente descobriu quem ela realmente quer ser. “Mesmo que não seja quem eu sou , eu não tenho medo de quem eu era”, ela canta no primeiro verso. As letras falam que a mudanças podem ser positivas e que ninguém permanece o mesmo. O lento ritmo é atrelado por uma guitarra acústica e tambores ao fundo. O seu pai, o também cantor Billy Ray Cyrus, é uma grande estrela da música country, e escolheu ninguém menos do que Dolly Parton para ser madrinha de sua filha. Juntamente com Cyrus, ela co-escreveu a terceira faixa do álbum, “Rainbowland”. Essa canção começa com uma mensagem de voz intrigante da própria Parton falando sobre o quanto está animada para cantar com sua afilhada. É uma música country com boas harmonias, embora Cyrus pareça superar Dolly Parton. Mesmo que as letras careçam de alguma profundidade e a produção lamacenta a deixa sem inspiração, é uma canção bastante jovial.
“Você provavelmente escreveu isso sobre um garoto que você amava”, Parton diz no final da música enquanto obtemos alguma clareza. O álbum tem alguns pontos brilhantes. A tranquila “I Would Die For You” dá a ela espaço para explorar a profundidade de sua voz, enquanto a percussão simplificada a torna uma das faixas menos ensopadas aqui. Ela soa mais forte em “Miss You So Much”, onde o poder e o luto em sua voz se tornam as estrelas da música. Embora tenha sido escrita sobre o namorado de uma amiga próxima que teve uma overdose, Cyrus estava saindo com sua amada avó no dia em que ela estava gravando: “Isso me fez meio que pensar sobre ela, quanto mais eu comecei a cantar”. Sua conexão com o espírito transcendente de amor e tristeza é apenas a coisa mais real em um álbum cheio de músicas frouxas. “Miss You So Much” é bastante sincera e vocalmente despojada. Não dá para negar que ela possui uma grande carga de emoção e honestidade. É conduzida principalmente por guitarras acústicas, piano e uma consistente percussão. Mesmo que o “Younger Now” tenha esses bons momentos, é difícil conciliar com essa nova imagem inofensiva da Miley Cyrus.
O estranho ritmo sereno e convencional do country-pop “Bad Mood”, e as cordas e trompas impensadas que apimentam os arranjos das baladas mais esquecíveis que fecham o álbum fazem pouco para nos impressionar. Além de insultar as pessoas que viam sua música como uma mercantilização da cultura rap, é difícil levá-la a sério. “Week Without You”, por sua vez, casa o country e o pop com um estilo doo-wop que lembra a Meghan Trainor. Em sua totalidade, possui um arranjo meio estranho e infelizmente não deixa ela mostrar o potencial de sua voz. “Thinkin’” apresenta algo que estamos acostumados a ouvir da Miley Cyrus. Em determinados pontos, me lembrou algumas antigas canções da P!nk e da banda No Doubt – um número pop rock com vibrações retiradas diretamente do início dos anos 2000. Além do leve balanço country, possui linhas de baixo, riffs de guitarra e contundentes tambores. “Love Someone” fala sobre um relacionamento fracassado e sua percepção a respeito disso. Dirigida por um espaçoso e pesado riff de guitarra, é provavelmente a faixa mais escura do álbum. Além do som teatral, possui uma atmosfera mais rica e profunda.
Segundo Cyrus, “Inspired” é dedicada ao Mês do Orgulho LGBT e para aqueles que procuram por mais amor no mundo. “Como podemos escapar de todo o medo, de todo o ódio?”, ela questiona. Apesar de conter simples acordes acústicos e um sentimento claro, as letras são muito clichês. Como muitos de nós, a imaginação da Miley Cyrus é estimulada pela cultura pop, mas muitas vezes ela se perde no contexto. Ela encontra inspiração na superfície e escolhe o que usar para si mesma, sem entender o foco do próprio trabalho. A ironia é que quando ela está trabalhando com ferramentas de outras pessoas, parece mais envolvida. Sua busca pelo próximo som que a define como popstar e o controle total de sua arte deve continuar além do “Younger Now”, porque há poucas coisas para serem apreciadas aqui. Em suma, esse álbum não mostra a verdadeira versatilidade da Miley Cyrus – poucas faixas realmente se destacam. “Younger Now” é uma tentativa maçante de provar que ela é um camaleão da música. Diferente de estrelas versáteis como David Bowie ou Madonna, ela peca pela forma como apresenta sua imagem. Infelizmente, “Younger Now” não funciona como um legítimo álbum country.