Embora “WHAT WE DREW” seja mais internalizado do que projetos anteriores, Yaeji conseguiu encontrar clareza na vulnerabilidade.
Há algumas semanas, 2020 parecia ser um grande ano para Kathy Yaeji Lee, a artista coreano-americana simplesmente conhecida como Yaeji. Ela estava prestes a lançar uma mixtape ao lado de uma lista de colaboradores independentes. Desde que chegou à fama em 2017, Kathy Lee vendeu shows, apareceu em capas de revistas e desenvolveu um som adorável que orgulhosamente veste sua herança asiático-americana e faz uso de sua formação em artes visuais. “Drink I’m Sippin’ On” não foi o seu primeiro single, mas ajudou a colocá-la no mapa de uma maneira que seu primeiro EP auto-intitulado não conseguiu. Mas então, um material completo nunca se materializou, e fora o apropriadamente intitulado “One More”, praticamente a única coisa que ela lançou foram alguns remixes. Embora a pandemia tenha atrasado alguns dos seus planos para 2020, isso não a impediu de lançar essa mixtape. É um trabalho incrível, mas não apenas por causa dos seus reconfortantes sussurros em coreano e inglês. Também não é por causa das batidas relaxadas, que mostram um aperfeiçoamento em suas habilidades de produção e senso de musicalidade. “WHAT WE DREW” parece significativo durante o auto isolamento, porque celebra os prazeres simples que tínhamos antes – como família, amizade e a tranquilidade da rotina.
Isso pode parecer ruim no papel, mas esse sentimento modesto e inocente no coração da música da Yaeji, se torna peculiar e charmoso. À medida que avançamos incansavelmente com a tecnologia e parecemos retroceder em termos de interação pessoal, o ato de dançar fica cada vez mais insular. Agora, com nossa sociedade perturbada pelo COVID-19, encontramos consolo em um aumento repentino nos sets de artistas transmitidas ao vivo para as quarentenas. O momento é improvável e, portanto, perfeito para Yaeji ser uma porta-voz da arte sonora. Apesar do rótulo de uma mera mixtape, “WHAT WE DREW” expande seu escopo sonoro, envolve um conceito underground, possui uma produção house de qualidade e referências às tentações da cultura pop asiática. Com isso em mente, na primeira audição, pode parecer um pouco irregular, devido ao seu conjunto com rap e palavras faladas. Mas isso também vem, pelo menos em parte, dos próprios vocais da Yaeji, que rolam silenciosamente pelo microfone. Desde a faixa abertura quase subliminar, “MY IMAGINATION”, até o pop gaguejante de “WHEN I GROW UP”, o som da Yaeji é enganosamente bem montado e produzido de forma quase impecável.
“WHAT WE DREW” toca como uma celebração da vida e se mistura através de várias tradições e culturas, desde sua própria origem coreana. Inicialmente, ela disse que se inspirou no indie rock coreano, na música eletrônica e no hip hop e R&B do final dos anos 90. Mas apesar das várias influências, essa mixtape tem uma capacidade extraordinária de permanecer coesa. É como uma noite na balada que se espalha por todo o lugar entre diferentes sons, mas, no final, faz todo sentido. “WHAT WE DREW” deve ajudar a nos sentir mais conectados e, quando finalmente emergimos do nosso isolamento, esse é o sentimento que precisaremos. Sua produção continua apresentando ritmos peculiares e uma variedade de sons entrelaçados. Ela tem muito para oferecer e pode nos unir quando mais precisamos. Lançada na sexta-feira passada, “WHAT WE DREW” mostra exatamente o que ela estava fazendo nos últimos dois anos e meio – fixando-se em um som que provavelmente se tornará o modelo para produtores emergentes dessa década. Sus ofertas murmuradas a empurram para a beira do pop experimental e da produção eletrônica que explodiu na era dos computadores pessoais e dos softwares de áudio digital – mas a corrente pulsante da house music e os traços de hip hop elevam seu trabalho a uma categoria própria.
Misturando isso com letras no estilo ASMR, muitas vezes submersas abaixo da superfície de suas produções, e um ouvido surpreendente bom para riffs inabaláveis, sua mais recente oferta é um enorme passo à frente. Aqui, ela fala com um mundo confinado, estreando a mixtape em uma transmissão ao vivo enquanto as músicas tocam ociosamente em segundo plano. É um projeto que zumbe com um otimismo sombrio, além de versos pesados e refrões em falsete. Nascida em Queens, criada na Coréia do Sul e atualmente moradora do Brooklyn, Yaeji é frequentemente descrita como uma produtora talentosa. Sua música sempre foi escrita em inglês e coreano -incluindo o título do álbum – e ela se move entre os dois idiomas sem distingui-los, como a maioria das pessoas que tem dois ou mais idiomas instintivamente fazem. Os convidados Lil Fayo, trenchcoat e Sweet Pea preenchem “FREE INTERLUDE” com a mesma energia caótica e orquestrada que tornou as compilações do Odd Future tão divertidas. Sozinha em “IN THE MIRROR”, que soa como uma música invertida do último álbum da Charli XCX, ela fornece uma bateria sinistra e cria uma longa introdução de 2 minutos antes de explodir em um refrão auto-tunado.
Sua capacidade intuitiva faz o “WHAT WE DREW” parecer o próximo passo para os melhores e mais interessantes impulsos do pop. Suas músicas são construídas para funcionar como paisagens, não retratos, sempre texturizadas além da estrutura tradicional. Isso também dificulta a escolha de uma canção favorita, porque parece que elas estão sempre se transformando. Será interessante notar como o impacto do “WHAT WE DREW” muda ao longo do tempo. Os ambientes em que ela cresceu são visíveis em sua música. Mas a sensação da cena house e o techno sul-coreano também cria uma divisão em sua música, com a cena underground de Seul tendo mais efeito sobre si do que qualquer outra coisa. Em faixas como “MONEY CAN’T BUY”, com Nappy Nina, é difícil ignorar os elementos de hip hop, mas no verdadeiro estilo Yaeji, ela ainda projeta sua individualidade. Há um contraste claro entre o rap falado em coreano e o rap severo de Nappy Nina, acompanhados da batida igualmente desarticulada. Mesmo com foco maior no hip hop, os sintetizadores são leves e divertidos. “WHAT WE DREW” é um material realmente distinto. Sua música e imagens ficam mais perto de casa, menos ligadas a uma festa e mais próximas da área doméstica.
Ouça “WAKING UP DOWN” e o seu memorável refrão: “Acordei, cozinhei, fiz uma lista e chequei”. Nomeie outro artista que possa agitar uma boate com uma música sobre como dominar uma panela. Sonoramente, “WAKING UP DOWN” é construída em torno de tambores flutuantes, com sua voz navegando suavemente por alguns graves sutis. Musicalmente, a mixtape também fornece uma vibração melancólica, evidente na faixa-título e na última canção, “NEVER SETTLING DOWN”. Mas os movimentos de produção mais surpreendentes chegam ao final da mixtape: como a construção sombria de “IN THE MIRROR”, os padrões de bateria de alta definição de “THE TH1NG” e as misteriosas alegorias de “THESE DAYS”. Com a participação de artistas underground, é fácil contornar os traços de k-pop, a arte sintetizada da Grimes, ou até a tensão pré-milenar do drum and bass – profundamente sentida no som imundo e estridente de “IN THE MIRROR”. Yaeji está se adaptando e evoluindo ao longo do tempo, e essas faixas simultâneas formam uma “experiência de mudança de vida” auto descrita; se permitindo ceder à expressão em um nível pessoal e musical. É seguro dizer que “WHAT WE DREW” é o seu lançamento mais impressionante até hoje. Sua intimidade faz com que o ouvinte se sinta parte de uma comunidade, mesmo que ouça sozinho.