“Legacy +” – uma combinação dos álbuns “Stop the Hate” e “For(e)ward” – oferece três gerações do afrobeat em um só lugar.
Em 05 de fevereiro de 2021, Femi Kuti e seu filho, Made Kuti, lançaram seu projeto de dois álbuns, intitulado “Legacy +”, pela Partisan Records. O projeto inclui o décimo primeiro álbum do Femi, “Stop the Hate”, e o álbum de estreia do Made, “For(e)ward”. É algo realmente comovente – um projeto onde eles apresentam uma fatia positiva e galvanizante de afrobeat. Nem é preciso dizer que Femi tem experiência na produção de música cinética e politizada. A influência do lendário músico e ativista nigeriano é exibida gloriosamente com as próximas duas gerações conectadas neste lançamento conjunto. Femi Kuti, filho de Fela e ex-membro da banda Egypt 80, tem sido uma força motriz do afrobeat, mas é o seu próprio filho que agora apresenta sua própria visão. Enquanto Femi preparava o “Stop the Hate”, ele convidou Made, que toca baixo, saxofone e percussão no álbum do seu pai, para lançar seu próprio disco de estreia em um pacote único. É uma jogada inteligente e interessante da parte dele e da gravadora: e naturalmente paga dividendos ao ouvinte. “Stop the Hate” apresenta performances enérgicas e guitarras cadenciadas respingando como tinta em uma tela – Femi continua tão explícito em sua mensagem como sempre foi.
“For(e)ward”, por sua vez, é, indiscutivelmente, o take mais sutil do projeto: moderno e expansivo com vocais igualmente lacônicos e vulneráveis. Aqui, você vai poder mergulhar nas águas mais jazzísticas de seu som. Tocar os dois álbuns uma após o outro é como descobrir uma obra variada e salubre. Afrobeat é um gênero que bate forte com seu ritmo funky, mas é socialmente consciente de uma forma que a música ocidental raramente faz. O problema é que para fazer isso como Femi Kuti, você não precisa apenas de integridade, mas também de credibilidade. Parece o cúmulo da presunção ouvir um álbum com tanta mensagem, arrogância e apenas dizer “é um clássico Femi Kuti”, e deixar por isso mesmo. Para o “for(e)ward”, falta o imediatismo do “Stop the Hate”; é mais descontraído, mais melancólico e muitas vezes traz uma sensação evocativa e cinematográfica. Também é mais próximo da música ocidental moderna, particularmente psicodélica, e mais profundamente influenciado pela harmonia do jazz. Dito isto, a produção do Femi em “Stop the Hate” é implacavelmente feroz e funky – enquanto ele entrega mensagens de liberdade e positividade de maneira ousada e desafiadora: os temas centrais do álbum se concentram na corrupção no governo local da Nigéria, direitos iguais e o fim da brutalidade policial para os negros.
Em “for(e)ward”, somos apresentados a uma riqueza de influências adicionadas à fórmula pré-estabelecida do afrobeat. Enquanto as linhas de baixo hipnóticas e as trompas herdados de gerações anteriores são ingredientes vitais, Made dá voltas mais do que suficientes para tornar este álbum singular. Ele estudou no famoso Conservatório Trinity Laban de Música e Dança (o mesmo lugar que seu avô estudou, na época em que era conhecido como Trinity College), enquanto aproveitava as riquezas da cena underground de Londres e as diversas influências da música da cidade (club, dubstep, hip hop, punk, jazz e outras improvisações são audíveis em sua música). As mensagens de suas canções vêm de sua própria perspectiva, com os efeitos diretos de anos de negligência política e corrupção, juntamente com o assédio sexual e a desigualdade para as mulheres trazidos à tona. A faixa de abertura, “Free Your Mind”, mostra um desenvolvimento relaxado e mais foco no ritmo da música do que na mensagem lírica. Mas a segunda faixa, “Your Enemy”, afasta qualquer ideia de que essa música vai se esquivar de confrontar as questões sociais. Seus vocais suaves exploram as questões da brutalidade policial a partir do entendimento de que a polícia também é humana e luta por suas próprias famílias: “Quando falamos de brutalidade policial, devemos saber por que eles são do jeito que são”.
Repetindo temas de crescimento e liberdade ao longo do álbum, a compreensão humana e a escrita filosófica de suas letras provavelmente se tornarão uma das características definidoras de sua música futura. “Blood” introduz uma abordagem eletrônica ao “Legacy +” com sintetizadores, outros instrumentos eletrônicos e gravações da oração de seu pai e/ou avô sobre um padrão de mudanças tonais. “We Are Strong” é frenética e fornece uma vibração quase dance-hall sobreposta com trompas e pandeiros. “Higher You’ll Find” se aventura em um território quase cômico com sua seção loucamente organizada com sintetizadores de 8 bits e dois bateristas. Certamente parece que o álbum do Made foi elaborado com menos planos e um orçamento muito menos generoso, mas isso não quer dizer que não seja digno de estar aqui. Eu suspeito que futuramente Made vai olhar para trás e reconhecê-lo como parte de seu desenvolvimento – tenho certeza de que um grande artista acabou de dar o seu primeiro grande passo. Os ritmos dançantes e edificantes do álbum “Stop the Hate”, por outro lado, ricocheteiam entre trompas e letras políticas. Em números intitulados com slogans galvanizantes como a faixa-título e “You Can’t Fight Corruption with Corruption”, Femi entrega mensagens universais.
Ademais, ele também aborda questões específicas da Nigéria, onde lidera a chamada por justiça social com uma paixão ardente e destreza vocal. “Devemos agora entender como é assustador estarmos enfrentando os mesmos problemas dos anos 70”, Made diz em “Different Streets”, uma homenagem a seu avô cujas críticas ao governo nigeriano o tornaram alvo da violência do Estado a vida inteira. Made toca todos os instrumentos de forma impressionante em “For(e)ward”, combinando metais com vocais suaves e linhas de baixo gordurosas, assim como Fela mistura o jazz e o funk de 50 anos atrás. Em “Young Lady”, Made destaca a questão das mulheres que enfrentam assédio e abuso no sistema educacional, inspirado por um documentário da BBC que revelou ataques sexuais generalizados nas universidades de Lagos e Gana – uma perspectiva feminista notavelmente ausente da música politicamente carregada de seu avô, que se casou de forma infame com 27 mulheres ao mesmo tempo. Femi está agora na idade em que seu pai morreu e continua sendo uma força positiva a ser reconhecida; Made é um formidável jovem de 25 anos de olho no horizonte do afrobeat. Ao mesmo tempo, eles prestam uma homenagem a Fela, fazem uma ruptura com a tradição e colocam um pé no passado e outro no futuro; “Legacy +” é muito melhor do que o esperado.