A beleza de “Prantos Pandêmicos” é que não precisa ser ouvido atentamente para desfrutar de seu tato e ludicidade.
Letrux, nome artístico de Letícia Pinheiro de Novaes, é uma cantora e compositora brasileira que, nos anos 2000, juntamente com o multi-instrumentista Lucas Vasconcellos, formou a banda Letuce. Em 2016, o grupo encerrou suas atividades. Seu álbum de estreia, “Plano de Fuga pra Cima dos Outros e de Mim” (2009), apresentou 12 faixas (dez inéditas e duas releituras) com influencias da tropicália, bossa nova e rock. Após o fim do Letuce, a cantora iniciou sua carreira solo com o álbum “Letrux em Noite de Climão” (2017). Acompanhada de Thiago Rebello (baixo), Lourenço Vasconcellos (bateria) e a dupla de produtores formada pelo tecladista Arthur Braganti e a guitarrista Natália Carrera, Letrux conseguiu uma boa repercussão crítica com seu primeiro disco solo. O estilo musical do álbum, bem diferente do que ela fazia com o Letuce, era mais pop e psicodélico. Nesta sexta-feira (12), Letrux lançou um novo EP intitulado “Prantos Pandêmicos”. As músicas estavam sendo divulgadas aos poucos, mas agora o pacote completo está disponível em todas as plataformas digitais. Com a intenção de reformular algumas ideias do “Letrux aos Prantos” (2020) – seu segundo álbum de estúdio -, o EP reúne cinco versões alternativas de faixas lançadas no projeto original.
Lançado em março do ano passado, antes da pandemia, “Letrux aos Prantos” (2020) acabou se encaixando na situação devastadora que o mundo passou a viver a partir daquele momento. A vontade de revisitar as próprias canções nasceu da impossibilidade de apresentá-las no palco, diante do público. A principal ideia por trás do EP é fazer cada integrante da banda tocar ou cantar alguma música da sua escolha. Arthur Braganti produziu uma nova versão para “Salve Poseidon”, Lourenço Dias para “Eu Estou aos Prantos”, MarthaV ficou com “Dorme com Essa”, Navalha Carrera produziu “Déja-Vu Frenesi” e Thiago Rebello ficou com “Cuidado, Paixão”, em uma versão com versos em inglês intitulada “Cuidado Paixão (Be Careful, My Love)” – todas as faixas ganharam vídeos. Em “Letrux em Noite de Climão” (2017), ela fez com que a desilusão soasse como uma festa, cheia de riffs psicodélicos de guitarra e linhas de baixo. O resultado às vezes é caótico, mas divertido, como ter uma conversa em uma pista de dança lotada – você pode não se lembrar do que falou, mas se lembra de como se sentiu. Essa cacofonia é especialmente tentadora na primeira faixa: sintetizadores cintilantes soam como uma linguagem extraterrestre antes dela cantar em inglês.
A faixa nos leva ao clímax com linhas de baixo, bateria e poderosas teclas. Não é imediatamente óbvio o que a linha “pensei que tudo era tão água, mas voltou com mais elegância para mim” significa, mas você está muito ocupado acenando com a cabeça para se importar. Aqui, Letrux e Rebello usam sintetizadores e teclas para enviar ondas de choque através das letras, fazendo uma música melancólica que não leva a si mesma, ou qualquer coisa, muito a sério. “Eu Estou aos Prantos (Me Chama Pra Chorar)”, produzida pelo baterista Lourenço Vasconcellos, ganhou uma interpretação teatral com a adição de violoncelo, violino e vibrafone. Mas para toda a nova instrumentação, também há muita precisão e controle. A instrumentação comparativamente esparsa mostra o leve vibrato da Letrux e o seu alcance vocal expansivo. Ela escolhe instrumentos e gêneros em um nível aparentemente granular, deixando a impressão de que cada som está lá por algum motivo. A guitarrista MarthaV é a responsável por “Dorme Com Essa (Delirei)”, enquanto Navalha Carrera e Arthur Braganti, que também participaram da produção do álbum original, produziram “Déjà-vu Frenesi (Todo Corpo Tem Água)” e “Salve Poseidon (Roda de Invocação)”, respectivamente.
Na última semana, ela divulgou o clipe para a minimalista “Dorme Com Essa (Delirei)” e criou uma cenário para exaltar a natureza. A produção conta com a direção de Laís Sampaio. Guiada por singelos acordes de violão, é uma canção solene com uma interpretação dramática. Em “Déjà-vu Frenesi (Todo Corpo Tem Água)”, ela explora o existencialismo, cantando de forma mais ousada e explícita: “Todo corpo tem água, lágrima suor e gozo / Todo corpo tem água, lágrima suor e porra / Ou a gente chora, ou a gente sua ou a gente goza?”, antes do vigoroso riff de guitarra e a bateria tomar conta. Por fim, “Salve Poseidon (Roda de Invocação)” oferece efeitos sonoros, percussão, marimbas, sintetizadores sutis, vocais sussurrados ao fundo e palavras faladas – em determinados momentos, parece que estamos no meio de uma selva. O EP foi lançado em 13 de março de 2021, data que coincidiu com o início da quarentena no Brasil. A beleza de “Prantos Pandêmicos” é que não precisa ser ouvido atentamente para desfrutar de seu tato e ludicidade. Você pode não saber se Letrux conseguiu algo que desejava, se alguma mágoa foi curada ou se alguma pergunta foi respondida, mas você sai com sua voz arrulhada navegando aleatoriamente em seu cérebro.