A flexibilidade vocal de Justin Bieber está em plena exibição aqui, mesmo quando a composição parece mecânica.
Lançado ontem (19), o novo álbum do Justin Bieber é provavelmente seu trabalho mais atraente até à data. No entanto, há um problema sério com o título e a inclusão de um discurso de Martin Luther King: “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”. Afinal, as palavras do MLK não tem nada haver com o real conteúdo do álbum, que basicamente fala sobre amor, relacionamentos e fé. Dito isto, a inclusão do discurso prejudica a coesão do álbum. Mas, por trás da controvérsia do MLK, “Justice” é surpreendentemente bom, um álbum pop sincero e carismático. Bieber, agora com 27 anos, parece estar se divertindo pela primeira vez desde a sua adolescência. Considerando que seu último álbum, “Changes” (2020), foi sobrecarregado pela compulsão de provar a um público que ele não é mais um adolescente e nem o idiota que ele se tornou, “Justice” mostra Bieber experimentando ideias que, embora não sejam inovadoras, são novas para ele. É duvidoso que alguém não goste do som que permeia esse álbum, mas de alguma forma Bieber torna tudo muito fácil de digerir. Mesmo que haja alguma variação nas batidas e no clima geral, muitas faixas seguem uma fórmula clássica do pop reverberante.
Liricamente, ele continua explorando o contentamento conjugal que dominou o álbum anterior. Mas, onde o “Changes” (2020) era principalmente um trap miasmático, “Justice” está repleto de produções brilhantes e refrões grandes o suficiente. Em alguns sentidos, ele continua onde o “Purpose” (2015) parou. Skrillex, que trabalhou em várias faixas do disco citado – incluindo a explosão EDM de “Where Are Ü Now” e o hit dancehall “Sorry” – retorna para produzir três músicas aqui. Também a bordo está Benny Blanco, que dirigiu a balada acústica “Love Yourself”. Andrew Watt e Louis Bell, dois produtores de confiança do Post Malone que se tornaram extremamente requisitados no mainstream, estão fortemente envolvidos, assim como The Monsters & Strangerz e o cantor e compositor Jon Bellion. Além do exército esperado de escritores e produtores, “Justice” possui uma paleta cuidadosamente curada de convidados: Chance the Rapper, Burna Boy, The Kid LAROI, BEAM, Dominic Fike e uma série de jovens estrelas do R&B, incluindo Khalid, Daniel Caesar e Giveon, também marcam presença. O Justin Bieber do “Justice” permanece quase monoliticamente obcecado por sua esposa, Hailey, e a forma como seu romance tem sido um escudo.
O álbum está repleto de versos como: “Eu não quero ser meu passado, quando nos beijamos me sinto novo” e “Eu pensei que tinha pintado um quadro do paraíso, mas parece que é apenas o seu quarto”. Às vezes, ele também começa a odiar a si mesmo. “Às vezes, não sei por que você me ama”, ele admite em “As I Am”; “Tudo que eu desejo é poder mudar a mim mesmo”, ele confessa em “Loved By You”. Como exemplificado pelo single “Holy”, a fé cristã que sustenta seu casamento também está em cena; na minimalista “Off My Face”, uma espécie de “Love Yourself” invertida, que de alguma forma traz uma nova vida às velhas metáforas de amor. O único problema é que sua simplicidade lhe dá o potencial para ser facilmente esquecida. Mas se “Justice” retorna à abordagem ecumênica do “Purpose” (2015), ele também pisa nas mudanças significativas da paisagem pop que ocorreram nesse período de tempo. Em particular, o pequeno ressurgimento do rock dentro do coquetel do mainstream levou a um influxo de guitarras no álbum.
“Anyone” drena todos os últimos vestígios de pós-punk do U2 e The Police, temperando seu refrão com um suave brilho adulto-contemporâneo. Com seus arpejos de guitarra pós-grunge, a cavernosa “Unstable” mostra até que ponto artistas como Juice WRLD, Post Malone e 24kGoldn empurraram os híbridos adjacentes ao rock do SoundCloud rap para o menu atual do pop. Situado em sequência no centro da tracklist, “Die for You”, “Hold On” e “Somebody” mergulham no pop rock dos anos 80 movido por sintetizadores. O funk de “Deserve You” cavalga sobre uma corrente de teclado enquanto “Ghost” termina em um devaneio acústico tocante. Embora “Peaches” possa ser o único single louvável do álbum, seu apelo superficial é o resultado de não estar encharcado em mensagens melosas de positividade. Justin Bieber aproveita seus convidados como oportunidades para mudar seu estilo, seja pegando emprestando o hip hop infectado pelo gospel do Chance the Rapper em “Holy”, retornando ao dancehall digital do Skrillex ao lado de Burna Boy em “Loved By You”, ou tocando em uma forma mais calorosamente orgânica de R&B na citada “Peaches”, ao lado de artistas como Daniel Caesar e Giveon.
E no dance-pop de “Love You Different”, ele ainda reaproveita a alegria das melhores faixas do “Purpose” (2015), o tipo de emoção que tem faltado em seus últimos lançamentos, mas em grande parte desdentada, desde então. Bieber permanece num tenor magistralmente ágil, capaz de sussurrar ou cantarolar habilmente uma melodia dependendo das necessidades da música. Na balada de encerramento, “Lonely”, ele se torna real e cru sobre sua experiência de crescer sob os holofotes. “E todo mundo me viu doente / E parecia que ninguém dava a mínima / Eles criticavam as coisas que eu fazia como um garoto idiota”, ele lamenta contra a produção esparsa do Benny Blanco e FINNEAS, irmão e produtor da Billie Eilish. “E se você tivesse tudo / Mas ninguém para ligar? / Talvez então você me conhecesse”, ele continua, “Porque eu tive tudo / Mas ninguém está ouvindo / E isso é solitário pra caralho”. Tudo se transforma em um refrão simples e poderoso no qual ele grita desanimadamente: “Estou tão sozinho”, modulando sua voz em algo como o yodel mais triste do mundo.
Por outro lado, é difícil ouvir a faixa de abertura, “2 Much”, sem revirar os olhos. Musicalmente, é uma canção impressionante, uma miragem de piano vítrea produzida por Skrillex que se torna uma linda plataforma para a voz do Justin Bieber. Mas o discurso de Martin Luther King Jr., no início de uma música que nada tem a ver com a luta contra o racismo, em um álbum que nunca toca na justiça social, tudo se torna controverso. A oração do Martin retorna mais tarde no “MLK Interlude”, uma interjeição profundamente aleatória que se choca duramente com o resto do álbum. Talvez suas intenções são puras, mas entre essas amostras e o título do álbum é como se ele estivesse tentando pegar carona no atual ressurgimento dos direitos civis. Por um lado, “Justice” é um álbum forte o suficiente para sobreviver a esses erros. Mas parece que desta vez Justin Bieber estava confuso sobre qual tipo de álbum ele realmente estava fazendo. “Justice” é sem dúvida um álbum pop – cuidadosamente elaborado – que vem com suas próprias armadilhas. Seu profissionalismo elegante pode soar excessivamente polido e palatável, mesmo que ateste tanto sua agilidade como vocalista quanto a experiência e habilidade daqueles por trás dele.