O quinto álbum do compositor galês transita por uma leviandade psicodélica.
Não é sempre que um álbum te impacta profundamente. O cantor e compositor galês H. Hawkline – cujo nome real é Huw Evans – voltou com seu quinto álbum de estúdio, “Milk for Flowers”, e não é apenas o mais realizado até agora, mas também o mais emocionante. Seguindo os passos de outros artistas galeses em sua alta estranheza, Evans mostra seu talento para o melodioso. Sua voz é um prazer constante, um sussurro que enuncia cuidadosamente o enigmático e o místico, em paralelo com o mundano e o hilário, às vezes simultaneamente. “Você me pergunta como quero ser lembrado quando eu me for / Como um cara útil, sombreado por uma mão trêmula”, ele declara em “Mostly” antes do refrão agridoce: “Eu quero morrer feliz”. Os arranjos, conduzidos por Cate Le Bon, são muitas vezes uma delícia, e outras um redemoinho complementado por um dedilhado acústico, como em “Suppression Street” e “I Need Him”. No entanto, “Milk for Flowers” não é açucarado ou cozido demais. Hawkline oferece um triunfo diante de uma tempestade pessoal sem revelar muitas coisas. Repleto de sons surrealistas, “Milk for Flowers” é dirigido por rostos familiares como Tim Presley, John Parish e Davey Newington.
Acrescentar outra dimensão à sua obra e sustentar a essência é um canal sônico para Hawkline processar uma tremenda tragédia pessoal. Isso, combinado com suas letras enigmáticas e texturas variadas, adiciona uma qualidade quase sobrenatural ao álbum. Enquanto uma veia melancólica percorre o repertório, Hawkline nos compensa com alguns momentos alegres. Essa diversidade sonora opera para criar um corpo de trabalho que pode ser atribuído a todo tipo de experiência, não apenas ao doloroso. Durante a animada faixa de abertura, por exemplo, ele canta no refrão: “Eu me sinto como uma freira colhendo rosas / E ela nunca vem quando promete”. De fato, “Milk for Flowers” representa uma mudança real na produção de H. Hawkline. O álbum anterior, “In the Pink of Condition” (2015), apresentou sua habilidade melódica com certa frieza e indiferença, enquanto “Milk for Flowers” fornece um abraço mais caloroso. Hawkline começou sua carreira com “A Cup of Salt” (2010), mas nos últimos anos, ele se voltou para o art-pop ornamentado que atrai influência de seu compatriota Gruff Rhys. Mesmo quando as canções estão impregnadas de tristeza, há uma sensação de esperança por trás.
Essa dissonância cognitiva é um ingrediente significativo de um álbum que está explicitamente preocupado em como a perda é camuflada e escondida na vida cotidiana. A mãe de Hawkline morreu de câncer em 2018; e essas músicas abordam justamente o lado surreal da dor. Com o cuidado poético e a inventividade, Hawkline satiriza o ritual diário de suprimir a própria mágoa e fingir que está tudo bem: “Eu compro minha maquiagem na Suppression Street / Pinto meu rosto para todos que encontro / Com a elegância de Nero”. Mais tarde, na segunda metade do registro, ele se dirige à mãe na melancólica “Like You Do”: “Eu quero que você saiba / Todas as maneiras que eu vou precisar de você”. Como o próprio luto, é uma conversa unilateral, nunca silenciada, nunca resolvida. Com sua sensibilidade peculiar, Hawkline fornece um jogo de palavras divertidamente enigmático (“A paz vem para o jantar / Mas estou sempre almoçando”). Mas Hawkline não é um vocalista tão expressivo ou excêntrico, e os arranjos às vezes são muito exigentes, muito educados, para exalar as emoções que as músicas prometem. “Denver” se arrasta por 6 minutos enquanto o sintetizador de “Athens at Night” não combina com a vertigem de suas imagens.
Felizmente, “It’s a Living” atinge aquele raro equilíbrio entre o piano e a melancolia. Seu refrão, um mantra de apreço por “mulheres idosas” e “crianças pequenas”, é executado sem qualquer indício de condescendência. “Empty Room”, por sua vez, flutuante e elegíaca, é reminiscente de baladas que Super Furry Animals costumava colocar no final de seus discos. Essa canção nos deixa à beira de uma saudade ainda fundamentada no cotidiano. É uma balada que se desenrola lentamente, fechando as cortinas do álbum. Cantando sobre a sala titular que alude à morte de um ente querido, Hawkline revela honestamente: “Eu nunca soube que poderia me despedaçar”. Esse floreio poético é enriquecido pelo ritmo quase meditativo, com as expressivas harmonias do piano acentuando a atmosfera. À medida que o ritmo muda, Hawkline entrega sua letra mais cortante : “Meu pai, ele não dorme mais”, lamenta. Há inúmeros sentimentos aqui – humor, tristeza e ternura -, tudo envolto num delicado e estranho veludo. Se o álbum começa com a bravata de alguém rindo de um nariz quebrado, termina com um reflexo silencioso na camisa ensanguentada. É alquimia, e assim ficamos com um novo H. Hawkline – mais confortável com o desconforto.