“COR” possui influências dos seus trabalhos anteriores, mas também fornece uma maturação musical.
“COR” é o quarto álbum de estúdio da dupla ANAVITÓRIA, lançado de surpresa em 01º de janeiro de 2021. Produzido por Tó Bandileone e a integrante Ana Caetano, o disco foi preparado durante a pandemia do COVID-19. Todas as faixas receberam vídeos publicados no YouTube, enquanto a capa, com as cores da bandeira do Tocantins, estado de origem da dupla, foi retirada da música de abertura, “Amarelo, Azul e Branco” – uma colaboração com Rita Lee. O álbum foi gravado em Itaipava, bairro de Petrópolis, cidade da região serrana do estado do Rio de Janeiro. O título veio à mente de Ana Caetano durante uma viagem entre Petrolina, Pernambuco, e Juazeiro do Norte, Ceará, há pouco mais de 1 ano. É uma palavra de três letras que alude ao fato de ser o terceiro álbum da dupla e o envolvimento de três pessoas no processo (Ana Caetano, Vitória Falcão e o empresário Felipe Simas). Ana comentou que o número três também é uma representação da “união do corpo, do espírito e da mente”. Em outras palavras, “COR” é uma homenagem ao amor em todas as suas formas. Assim como as próprias faixas, os vídeos parecem simples e, às vezes, confusos na superfície, mas revelam uma narrativa interessante conforme seguem seu curso.
As metáforas podem ser cansativas e, muitas vezes, parecem tirar o foco da própria música. Ainda assim, a força de suas composições ofusca as falhas e você não pode deixar de aproveitar boa parte da tracklist, independentemente de você pesquisar ou mesmo se importar com seus significados. Embora o estilo “gelado” e “calmante” característico do duo ainda esteja presente na maioria das músicas, “COR” introduz algumas coisas novas no repertório da ANAVITÓRIA. Como vocalista, Vitória Falcão está cada vez mais sombria, ao passo que Ana Caetano segue por uma rota oposta, além de estar mais extasiante na escrita – com exceção do interlúdio “[dia 34]”, todas as faixas foram escritas por ela. Talvez seja proposital, mas “COR” remete ao distanciamento social e momentos de solidão. Enquanto “O Tempo é Agora” (2018) parecia refletir sobre uma vida agitada, “COR” transmite um sentimento agridoce de uma rotina mais contida. No entanto, a suavidade dos vocais faz o álbum parecer apenas mais um capítulo de sua história, ao invés de uma viagem completamente nova. De fato, o registro parece um pouco incompatível e insatisfatório em determinados lugares. Se você quer dedicar um tempo para explorá-lo, ele apresenta uma narrativa maleável sobre o amor em suas várias formas.
É perceptível que “COR” é uma evolução do estilo já conhecido da dupla, uma vez que os arranjos e a produção estão mais consistentes. Créditos para Tó Bandileone – ele realmente sabia o que fazer com esse novo álbum. Sua parceria com Ana Caetano permitiu a criação de arranjos que, embora mais maduros, não se afastam de sua essência. Enquanto a produção de “ANAVITÓRIA” (2016) e “O Tempo é Agora” (2018) contava com a participação de Tiago Iorc, “COR” recrutou principalmente os talentos do Tó, que trabalhou com a dupla anteriormente na produção do “N” (2019) – álbum onde elas criaram uma roupagem diferente para as gravações do Nando Reis. No entanto, a longa duração em um estilo mais chill pode te relaxar ao ponto de tédio e exaustão. Estranhamente, algumas músicas terminam de forma brusca e mancham a qualidade da produção. Marcando uma fase mais madura, “COR” faz jus ao seu nome, trazendo uma extensão do “preto e branco” que marcou o repertório da dupla nos primeiros anos. Em seu último álbum de inéditas, elas estavam mais sóbrias, porém, agora, temos exatamente o oposto. Além do cantarolar expressivo, “COR” parece mais coeso e linear – ademais, é um álbum assumidamente conceitual.
Ele faz um mistura de folk-pop com MPB e outros ritmos brasileiros, amarrado com a sutileza de instrumentos como sintetizador, percussão, guitarra e baixo. A forte percussão e os instrumentos de sopro se sobressaem em “Amarelo, azul e branco”, mas as letras também são adoráveis: o foco é sua paixão pela música e sua cidade. “É que eu sou dum lugar / Onde o céu molha o chão / Céu e chão gruda no pé / Amarelo, azul e branco”, elas cantam. A canção funciona como uma dedicatória à sua terra, com versos recheados de orgulho de ter feito parte da história do Tocantins. “O norte é a minha seta, o meu eixo, a minha raiz”, ANAVITÓRIA diz no verso final. A participação da Rita Lee é reduzida a um poema de Simone de Beauvoir e, consequentemente, injeta uma dose de sabedoria. Em suma, “Amarelo, azul e branco” é uma introdução poderosa e surpreendentemente pessoal. Com elementos de bossa nova e samba-reggae (gênero musical nascido na Bahia), “Te amar é massa demais” traz um estilo diferente daquele que elas estão acostumadas a reproduzir. Certamente, é a música mais leve e energética do repertório, embora seja sentimental e reflita sobre um ano sombrio. Dessa vez, o romantismo lírico da Ana Caetano é embalado por percussão, guitarra, baixo, pandeiro e atabaque.
Co-escrita por João Ferreira, “Tenta acreditar” é mais vulnerável e teatral, além de ser basicamente sobre superação. “Quero acreditar que foi melhor pra mim / Você vai fingir que os astros têm razão”, elas cantam. Novamente, a bateria se sobressai e adiciona uma maior energia à música. O sentimental folk-pop de “Explodir” parece buscar influência nos dois últimos álbuns da Taylor Swift. Ana brincou que o nome veio da vontade de criar uma música que ela gostasse com esse nome, visto que a de seu amigo Rubel não a agradava. É certamente um dos pontos altos do álbum, conforme elas abordam um amor incondicional: “A gente se escolhe todo dia / E eu te escolheria mais milhões de vidas / Porque uma só é pouco com você, amor”. Embora seja inicialmente inibida por um suave bandolim, ela explode durante a ponte com instrumentos de metais. É provavelmente a canção mais doce, delicada e apaixonada do repertório. Em seguida, “Cigarra” fornece letras acolhedoras e um arranjo bem produzido com handclaps, ukulele e violão. É praticamente uma ode ao cantor Saulo Fernandes, que ganhou o apelido de “cigarra” da Ana Caetano. Ela disse que a inspiração veio depois de vê-lo cantando em um trio elétrico.
Aqui, além de fazer uma homenagem ao amigo, elas cantam metaforicamente sobre a sua própria trajetória. Abordando as adversidades da vida, “Selva” fornece rimas mais bem elaboradas e intensas, além de um arranjo consistente formado pela combinação de piano, baixo, tambor e trompete. O anteriormente citado interlúdio “(dia 34)” é inteiramente apresentado no piano e marca o 34º dia de gravação do disco – daí o título. É um número breve com apenas 48 segundos que serve como introdução para a segunda metade do álbum e, também, para a próxima faixa, “Ainda é tempo”. Aqui, Ana pede perdão por demorar encontrar seu amor e questiona se é tarde demais para isso. As cordas, o piano de Mari Jacintho e o baixo de Fabio Sá formam um dos momentos mais emocionantes do registro. Faixas como “Eu sei quem é você”, particularmente a melhor do álbum, e “Terra” apresentam um fundo instrumental inesperadamente mais pesado – destaque para a guitarra e bateria. Liricamente, “Eu sei quem é você” fala sobre alguém que se revelou uma farsa – parece uma indireta para Tiago Iorc.
Recentemente, ele entrou em uma batalha pública com elas após a dissolução de sua parceria com o empresário Felipe Simas – que também empresaria a dupla. “Tua boca nada diz, teu olho ninguém vê, eu sei quem é você”, elas cantam aqui. A suposta provocação foi negada indiretamente pela dupla em sua conta no Twitter, afirmando que é a canção mais antiga do álbum – os desentendimentos com Iorc se tornaram públicos em 2020. “Terra”, por sua vez, busca inspiração no soul para falar sobre lembranças de um antigo relacionamento amoroso. Em determinados momentos, a forte percussão parece reminiscente de “Love on the Brain” da Rihanna. Apesar de apresentar os mesmos arranjos instrumentais do restante do álbum, “Abril” e “Te Procuro” parecem complementar uma a outra. Descrita por Ana como “a canção mais linda que escreveu em sua vida”, “Abril” é particularmente mais intensa e romântica. Composta principalmente pelo equilíbrio do piano e da percussão, elas falam sobre reciprocidade e incertezas dentro de um relacionamento. Acompanhada pelo violão, “Te Procuro” fornece um tom mais nostálgico – especialmente por nos lembrar do seu primeiro álbum auto-intitulado.
“Carvoeiro” foi escrita por Ana e Deco Martins na Praia de Carvoeiro, em Portugal – daí o título simbólico. O baixo, a guitarra e a bateria ditam um ritmo robusto, destoando quase que completamente do conteúdo lírico. Com participação de Lenine, “Lisboa” encerra o álbum em meio a violões, clarinetes e trombones. Escrita por Ana e Paulinho Novaes, a faixa levou o nome do local onde iniciaram e terminaram a sessão criativa do álbum. É uma canção serena e polida com um ritmo apaixonante. Felizmente, elas conseguiram manter um harmonia impressionante com o veterano da MPB. De forma expressiva, “COR” se recusa a ser refém de referências excessivamente complexas. É perceptível que as composições foram criadas com cuidado, enquanto a produção mantém a fluidez com um tom despretensioso. Nada disso seria possível sem a supervisão de Ana Caetano e Tó Bandileone – felizmente, os arranjos e detalhes acústicos não permitem que o álbum se torne monótono. Dito isto, “COR” representa uma nova fase para ANAVITÓRIA – aqui, podemos notar a influência dos discos anteriores, mas também há uma maturação musical.